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6GHz em 2025: o que mudou no último ano e para onde estamos indo?

Há pouco mais de um ano, escrevi um artigo sobre como a banda de 6GHz tinha virado uma briga entre 5G e Wi-Fi 6E. De lá para cá, bastante água passou debaixo dessa ponte e muita coisa mudou. O que naquela época pintava ser apenas uma discussão técnica, ganhou complexidade e virou questão de estratégia nacional e competitividade global.

Você leu o meu artigo da semana passada Um Mundo Sem Rede Celular: O Presente Alternativo que Não Enxergamos? Pois é, tem uma ironia interessante aqui: enquanto eu fiz um exercício de “presentologia” onde o Wi-Fi poderia substituir celular, no mundo real vemos justamente o contrário acontecendo – uma disputa acirrada por espectro que pode acabar fragmentando a conectividade pelo mundo.

Vamos entender os diferentes caminhos que estamos tomando ao redor do globo?

O que mudou de 2024 para cá?

2024 foi um ano de viradas. O Brasil mudou completamente de posição e aprovou dividir a faixa: 500 MHz para Wi-Fi e 700 MHz para serviços móveis, com leilão previsto para 2026. Isso não foi decisão isolada e de certa forma prevista. Na Conferência Mundial de Radiocomunicação de 2023, o Brasil conseguiu incluir uma nota prevendo exatamente essa divisão 700/500 MHz, para não ficar isolado junto com os EUA.

Do outro lado do mundo, na Europa, doze das maiores operadoras se juntaram numa carta pedindo toda a faixa superior para 6G. O argumento delas? Isso é essencial para não perder competitividade para EUA e China.

A mensagem é clara: quem controlar o 6GHz vai ter vantagem no futuro das telecomunicações.

Pessoal, pausa aqui para uma breve explicação: apesar de terem ambas os caracteres 6 e G, 6GHz e 6G significam coisas diferentes: enquanto 6GHz se refere ao canal de 1,2 GHz que está em discussão e é o tema central desse artigo, 6G remete a sexta geração de redes celulares, que teremos em operação comercial na próxima década.

Como ficaram os modelos de uso do espectro de 6GHz pelo mundo?

Hoje temos basicamente quatro abordagens bem distintas:

Modelo americano: Mantém os 1.200 MHz inteiramente para Wi-Fi, usando o sistema AFC (que vou explicar na sequência). Sete operadores AFC já funcionam comercialmente nos EUA.

Modelo chinês: Esta abordagem é 100% oposta a americana. A China reservou a faixa para serviços móveis, incluindo futuras aplicações de 5G e 6G. O Ministério da Indústria e Informatização da China já disponibilizou oficialmente o espectro de 6 GHz para sistemas 5G e 6G a partir de julho de 2023. Zero para Wi-Fi, tudo para redes móveis.

Modelo europeu: ~500 MHz para Wi-Fi, ~700 MHz para redes móveis. Aqui está o problema: o Wi-Fi 7 exige bandas maiores que 500 MHz para funcionar direito, precisando de canais de 320 MHz. Com apenas 500 MHz disponíveis, você consegue no máximo 2 canais de 320MHz ao invés dos 6 canais que teria com a faixa completa. Na prática, Wi-Fi 7 funcionando bem abaixo do potencial. A diferença é que a Europa sempre planejou essa divisão desde o início – é uma estratégia proativa focada no 6G.

Modelo híbrido (Brasil): 500 MHz ficam para Wi-Fi na parte baixa da faixa (5,925-6,425 MHz), enquanto os 700 MHz superiores (6,425-7,125 MHz) vão para leilão de 5G em 2026. Numericamente é similar ao europeu, mas com uma diferença importante: o Brasil mudou de posição (era 100% Wi-Fi) de forma reativa para não ficar isolado internacionalmente. É mais uma solução de equilíbrio para tentar conciliar os dois lados e manter flexibilidade estratégica.

AFC: a tecnologia que muda tudo

AFC significa Automated Frequency Coordination (Coordenação Automática de Frequência). Aqui está o ponto que muita gente não entende ainda. O AFC não é só sobre coordenar Wi-Fi. O sistema também permite 5G NR-U (5G não licenciado) funcionando na mesma faixa. Qualquer empresa pode instalar equipamento 5G NR-U sem precisar de licença, desde que respeite as regras de potência e AFC.

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Imagem gerada por inteligência artificial

Na prática, o AFC coordena dinamicamente o espectro entre usuários licenciados e não licenciados na mesma faixa, permitindo uso em ambientes externos sem atrapalhar serviços prioritários. Isso significa que Wi-Fi doméstico, redes empresariais Wi-Fi 7, small cells 5G não licenciadas e enlaces de micro-ondas podem coexistir automaticamente.

Parece mágica, mas aqui tem uma pegadinha importante.

Qual é a limitação do AFC para redes celulares?

Aqui está o detalhe que muda tudo: O 5G NR-U funciona bem principalmente em cobertura interna – shoppings, escritórios, campi, portos. Aplicações de área restrita. No espectro licenciado, a operadora tem direito primário e pode usar equipamentos mais com alta potência. No não licenciado, ela “não tem uso primário” e precisa “usar compartilhado”.

Traduzindo: o AFC resolve a parte técnica da coexistência, mas não resolve a necessidade das operadoras por alta potência e cobertura ampla para redes públicas. Por isso elas querem o espectro licenciado – não só para coexistir, mas para ter direito primário e alta potência.

E agora? Quais são os caminhos das operadoras?

Operadoras americanas: Estão numa sinuca de bico. A Verizon mudou sua estratégia, fazendo da banda C a espinha dorsal da rede 5G e relegando mmWave para funções de suporte em locais específicos. A T-Mobile aposta na vantagem que tem no 5G de banda média, e ambas investem pesado em Fixed Wireless Access (FWA) para competir com provedores a cabo. A FCC, equivalente americano a Anatel, já concedeu licenças experimentais de espectro “onda Terahertz” para AT&T pesquisar funcionalidades de 6G. É uma aposta arriscada: densidade extrema de small cells mmWave + otimização máxima do sub-6GHz + frequências Terahertz para o futuro. Pode funcionar em cidades, mas vai custar caro.

Operadoras chinesas: Estão na situação mais confortável. Com acesso exclusivo ao 6GHz para redes móveis, podem investir tranquilamente no desenvolvimento de 5G avançado e 6G sem precisar de gambiarras tecnológicas. Enfatizar que essa abordagem “mataria” o desenvolvimento do Wi-Fi, apostando apenas em redes móveis. O maior parque fabril do mundo teria que desenvolver equipamentos Wi-Fi para consumo local diferentes do “tipo exportação”.

Demais países: Será um mix de cenários entre usar os 700MHz superiores do 6GHz, se virar com mmWave caro, otimizar o sub-6GHz existente, ou esperar novas faixas na Conferência Mundial de 2027 – se conseguirem.

A matemática não ajuda

A conta não fecha: temos só 640 MHz (80+560) para Wi-Fi contra mais de 19.000 MHz já alocados ou destinados para serviços móveis. Como comentei em outros conteúdos por aqui sobre limpeza de espectro:

Será que vamos precisar fazer de novo o que já fizemos com 2G, 3G, 4G e 5G – ir empurrando e realocando usuários?

O 6GHz é considerado a “última faixa com boa penetração ” – literalmente atravessar paredes. Mas nas frequências mais baixas, quando conseguimos liberar, o sinal penetra ainda melhor. A questão é: quanto conseguimos limpar na marra?

Um precedente perigoso: a primeira fragmentação global do Wi-Fi

Aqui temos um problema histórico se formando. A fragmentação do 6GHz em parte do mundo, seria realmente a primeira vez que teríamos padrões Wi-Fi significativamente diferentes entre regiões, o que é um precedente preocupante para a indústria.

Pensem nisso: desde que o Wi-Fi existe, sempre tivemos padrões globais harmonizados. Um roteador Wi-Fi comprado nos EUA sempre funcionou na Europa, Ásia ou Brasil. Com a fragmentação do 6GHz, isso pode acabar. Imagine você ter que checar se seu celular vai funcionar direito em redes celulares e Wi-Fi no país cada vez que viajar para outro país.

A história já nos ensinou que fragmentações custam caro. Lembram da briga GSM vs CDMA? Com 6GHz, o risco é ainda maior: dispositivos podem simplesmente não funcionar entre regiões.

A batalha geopolítica do 6GHz

Como a própria Huawei admite, “apenas a América do Norte adotou um caminho de alocar o 6 GHz apenas para WiFi” e que a decisão de outros países de dividir representa “uma posição alinhada com 85% do mundo”. É uma disputa clara entre o modelo americano (Wi-Fi) e o chinês (móvel).

A China está fazendo uma aposta de longo prazo: enquanto os EUA “democratizam” o espectro para Wi-Fi mas suas operadoras sofrem limitações, a China centraliza tudo para redes móveis e pode sair na frente no 6G. É arriscado, mas com potencial de retorno gigante.

E agora?

Estamos em tempos de decisão difícil… Cada um dos cenários apresenta seus prós e contras. O 6GHz pode não ser a última fronteira do espectro, mas vai ser a que define como vamos gerenciar recursos escassos na era da hiperconectividade. A solução não está em cortar o bolo de forma rígida, mas em coordenar de forma inteligente.

Talvez aquele “mundo sem redes celulares” que imaginei se torne realidade não por evolução da tecnologia, mas porque gerenciamos mal o espectro que tínhamos.

Esse tema está longe de acabar. Vou acompanhar de perto os próximos movimentos – tanto no Brasil quanto internacionalmente – e trago aqui os desdobramentos sempre que houver novidades importantes. A definição sobre o futuro do 6GHz vai impactar como nos conectamos pelos próximos 10 anos, então vale a pena ficar de olho.

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Mauro Periquito
Mauro Periquito
Engenheiro de Telecomunicações e Consultor de Tecnologia, com o objetivo de desenvolver e gerenciar projetos de transformação digital para indústria, utilities, mineração, agronegócio e operadoras de telecomunicações. Em sua trajetória profissional, tem como propósito traduzir as necessidades dos clientes em soluções customizadas.
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