A Inteligência Artificial é a bola da vez e não há como negar. Em conversas de amigos, nos portais de notícias, nas universidades, o tema é constante, principalmente pelo fato de sua presença estar se tornando cada vez mais parte do nosso cotidiano, seja em aplicativos de imagem, assistentes virtuais ou plataformas de recomendação. Suas possibilidades parecem quase infinitas.
Mas, por trás do entusiasmo, surge uma discussão que poucos conhecem: até onde a IA realmente pode chegar? A tecnologia que conhecemos hoje, embora seja notável, tem seus limites e restrições e é aí que entra o conceito de Inteligência Artificial Geral (AGI, do inglês Artificial General Intelligence) — uma IA que seria capaz de desempenhar uma gama completa de atividades com a mesma adaptabilidade da inteligência humana, transferindo conhecimento entre áreas distintas e solucionando problemas em contextos variados.
Contudo, com os modelos atuais de Inteligência Artificial, seus algoritmos e estruturas, esse objetivo permanece fora de alcance. Neste artigo, exploraremos mais detalhes da AGI e porque os sistemas de hoje, apesar de poderosos, ainda não são capazes de evoluir para tal conceito.
O que é Inteligência Artificial Geral?
A Inteligência Artificial Geral é um campo teórico de IA que tenta desenvolver softwares com capacidade de entender, aprender e aplicar conhecimento em qualquer domínio, com a mesma adaptabilidade e flexibilidade cognitiva de um ser humano. A AGI também seria capaz de interpretar, resolver problemas e raciocinar de maneira independente, aplicando habilidades de maneira contextualizada e transferindo conhecimentos de um domínio para outro.
Essa habilidade de “transferência de aprendizado” é crucial para que a AGI consiga responder a situações inéditas e interagir de forma mais autônoma em ambientes desconhecidos. Em essência, uma Inteligência Artificial Geral poderia “raciocinar”, resolver problemas complexos, aprender continuamente e até desenvolver habilidades sociais e emocionais, de forma similar a uma inteligência humana.
Uma IA que “pensa” e outra que “sabe muito, mas entende pouco”
Uma das discussões mais interessantes sobre o futuro da IA gira em torno das distinções entre a Inteligência Artificial Estreita (ou ANI, Artificial Narrow Intelligence) e a IA Geral. A diferença essencial entre uma e outra está na amplitude de capacidades e na flexibilidade de aprendizado. Enquanto a AGI visa ser um sistema que “pensa” de forma ampla e autônoma, a ANI é projetada para ser altamente eficiente em uma tarefa específica. É ela que encontramos em aplicações como assistentes virtuais, sistemas de recomendação e reconhecimento de imagens.
Ela “sabe muito” sobre algo específico, mas sua compreensão é limitada ao domínio para o qual foi programada, não conseguindo sair de sua função principal ou aplicar seu conhecimento em outras áreas. A IA Geral, por outro lado, seria capaz de entender e adaptar-se a novos contextos, com uma habilidade de “pensar” e raciocinar que permite transferir conhecimento e aprender com menos dados e instruções.
Apesar dos avanços em Inteligência Artificial Estreita, que têm ampliado sua eficiência em funções específicas, a tecnologia ainda “entende pouco” sobre o mundo de maneira geral e precisa ser orientada em cada novo domínio de atuação. A Inteligência Artificial Geral, se desenvolvida, representaria um salto qualitativo, sendo uma inteligência que não se limita a seguir padrões conhecidos e que possui potencial para lidar com novas situações de forma autônoma e proativa. No entanto, atingir esse nível é um objetivo de longo prazo para cientistas e pesquisadores, pois requer avanços significativos em várias áreas, incluindo softwares, hardwares e até a neurociência.
Modelos atuais: inteligentes, mas limitados
Os modelos de IA que usamos atualmente, por se basearem em redes neurais profundas e técnicas de aprendizado supervisionado ou não supervisionado, precisam de grandes quantidades de dados rotulados e contextualizados para serem treinados. Como mencionamos, essa dependência dos dados resulta em uma “inteligência” restrita, com pouca ou nenhuma habilidade de generalização ou adaptação fora dos domínios para os quais foi treinada.
A IA Geral exigiria algo que os modelos atuais simplesmente não têm: uma capacidade de compreensão e de abstração semelhantes às do cérebro humano. Embora as redes neurais possam imitar processos de reconhecimento de padrões, elas não compreendem realmente o que estão processando. Um modelo de linguagem, por exemplo, é capaz de formar frases coerentes, mas ele não entende o significado dessas palavras, das nuances contextuais ou das implicações emocionais.
A inteligência humana depende de um entendimento mais amplo e profundo, baseado em experiências, percepção e consciência. Nossos cérebros conseguem interligar informações de diferentes domínios e, muitas vezes, criar significados a partir de associações inéditas. Isso acontece porque ele possui uma estrutura única, que o permite aprender com pouca informação, fazer inferências complexas e, essencialmente, desenvolver o que chamamos de “bom senso” — uma capacidade que nenhuma ANI possui.
Barreiras tecnológicas e teóricas
Para alcançar uma AGI, uma máquina teria que ser capaz de aprender e se adaptar continuamente ao longo do tempo, sem precisar de um novo ciclo de reprogramação sempre que surgem novos contextos ou problemas. Afinal, a inteligência humana é, em grande parte, baseada na experiência: podemos relembrar situações passadas e aplicar lições aprendidas em novos cenários, mesmo que esses sejam bem diferentes dos anteriores. Essa habilidade de aprendizado contínuo ainda está fora do alcance das IAs modernas, que demandam constantes ajustes e treinamento com novos dados para operar em novos cenários.
Além disso, os sistemas atuais de IA carecem de uma estrutura que permita a construção de uma “memória” com contexto e hierarquia de informações, como acontece com a mente humana. A AGI precisaria de uma estrutura neural e de armazenamento de informações capaz de organizar e contextualizar o conhecimento ao longo do tempo — algo que está longe do alcance dos modelos de aprendizado profundo atuais.
O desenvolvimento da AGI enfrenta também barreiras tecnológicas e teóricas. Para que um sistema realmente aprenda e se adapte como um ser humano, precisaríamos de hardware e de métodos de processamento radicalmente diferentes dos que temos hoje. A própria compreensão científica sobre a inteligência humana ainda é limitada. Sabemos que o cérebro é um sistema extremamente complexo, mas ainda não compreendemos ele totalmente. Sem esse entendimento, fica difícil tentar replicar tais capacidades em um sistema artificial.
Um estudo da Universidade de Harvard, em parceria com o Google, revelou que, em apenas um milímetro cúbico do cérebro humano, existem 57 mil células e 150 milhões de sinapses com capacidade de acumular o equivalente a 1,4 milhão de gigabytes de informações. Porém, para mapear esse pequeno pedaço, os cientistas levaram onze meses. Esse é o nível de complexidade que queremos atingir.
O caminho incerto para a AGI
A corrida pelo desenvolvimento da Inteligência Artificial Geral já está em pleno andamento, com líderes de grandes empresas de tecnologia se movendo ativamente para alcançar esse marco. Mark Zuckerberg, fundador e CEO da Meta, recentemente anunciou que sua empresa está entrando na disputa pela criação da tecnologia. Da mesma forma, Jensen Huang, CEO da Nvidia, acredita que estamos a apenas cinco anos de alcançá-la, um prazo surpreendentemente curto, mas que reflete a confiança que ele deposita no rápido avanço das tecnologias de processamento e aprendizado profundo.
Embora a Inteligência Artificial Geral seja o objetivo final, estamos em um ponto em que as limitações dos modelos atuais parecem intransponíveis para atingir essa meta. É provável que o desenvolvimento de uma AGI exija uma abordagem ou tecnologia completamente nova, que vá além das redes neurais e do aprendizado de máquina que dominam a área atualmente.
Enquanto isso, podemos continuar a aprimorar as ANIs e a explorar novas formas de IA especializada. Esses sistemas podem até não alcançar a adaptabilidade e a compreensão da AGI, mas são ferramentas poderosas que já estão, sem dúvida, transformando o mundo.