No cenário digital contemporâneo, as APIs (Interfaces de Programação de Aplicações) transformaram-se em elementos fundamentais da infraestrutura tecnológica empresarial, suportando a vasta maioria das integrações entre ambientes tecnológicos ou criando o mecanismo viável para aplicações desenvolvidas para os ambientes móveis.
Contudo, esse avanço veio acompanhado de um crescimento significativo e preocupante das ameaças cibernéticas direcionadas especificamente a esses componentes de software.
O ecossistema de tecnologia da América Latina tem experimentado um crescimento vertiginoso na adoção de APIs, impulsionado pela transformação digital acelerada e pela migração para arquiteturas de microserviços e computação em nuvem. Esse movimento, embora represente um avanço tecnológico importante, expõe as organizações a riscos de segurança cada vez mais sofisticados.
Quando avaliamos o panorama de ameaças devido ao crescimento no volume de APIs utilizadas nos vários setores da economia, constatamos que a atenção dos atacantes ou agentes maliciosos também entendeu que este é um caminho possível e vasto para buscar obter sucesso em suas atividades ilícitas.
Segundo o relatório “2023 API Security Trends” do Gartner, os ataques direcionados a APIs experimentaram um crescimento significativo de 146% entre 2021 e 2023. Esta estatística robusta evidencia a transformação do panorama de segurança digital, destacando as interfaces de programação de aplicações como vetores críticos de vulnerabilidade corporativa.
O estudo do Gartner ressalta que esse aumento exponencial está diretamente relacionado à aceleração da transformação digital, à complexidade crescente das arquiteturas de integração e à sofisticação das técnicas de ataque cibernético. Essa análise não apenas quantifica o crescimento das ameaças, mas também contextualiza as mudanças estruturais no ambiente de segurança tecnológica, fornecendo uma base sólida para compreensão dos riscos emergentes em APIs.
Outras estatísticas encontradas na internet apresentam números ainda piores em relação a este aumento, apesar das fontes não serem claramente especificadas: “As estatísticas revelam um cenário alarmante, onde, nos últimos dois anos, houve um aumento de aproximadamente 301% nos ataques direcionados a APIs na região.”
Independente destes dados não poderem ser verificados, o mesmo representa apenas a sinalização para o fato de ter ocorrido uma mudança fundamental na estratégia dos cibercriminosos, que identificaram nas APIs vulnerabilidades críticas para exploração.
As motivações para os atacantes são múltiplas e claramente conhecidas, como roubo de dados sensíveis, acesso não autorizado a sistemas corporativos, comprometimento de infraestruturas de TI e crimes financeiros de variados tipos.
O ambiente tecnológico para as organizações da América Latina contribui para aumentar a complexidade da situação, pois somos uma região que passa por uma evolução rápida em sua infraestrutura e temos problemas, que apesar de não serem exclusivos da região, contribuem para tornar o todo o contexto mais complicado. Variações significativas nos níveis de maturidade de segurança das organizações, limitações orçamentárias para investimentos em cibersegurança e escassez de profissionais especializados em segurança são os mais evidentes, apesar de não serem os únicos.
Compreender a dinâmica das ameaças em APIs não é mais uma opção, mas uma necessidade estratégica para a sobrevivência digital. As empresas latino-americanas precisam desenvolver uma abordagem proativa e integrada para mitigar riscos e proteger seus ativos digitais.
Vetores críticos de ataque a APIs
As interfaces de programação de aplicações (APIs) representam superfícies de exposição complexas que podem ser comprometidas por múltiplos vetores de ataque. No complexo universo da segurança digital elas representam verdadeiras portas de entrada para sistemas corporativos, cujas vulnerabilidades podem comprometer integralmente a infraestrutura tecnológica de uma organização. A compreensão profunda dos vetores de ataque torna-se, portanto, um elemento essencial para a estratégia de proteção cibernética.
1. A injeção de código malicioso constitui um dos vetores mais perigosos, onde hackers aproveitam falhas nos mecanismos de validação de entrada para introduzir comandos não autorizados. Essa técnica permite que invasores executem remotamente instruções no sistema, assumindo potencialmente o controle total da infraestrutura tecnológica.
2. Autenticação e autorização inadequadas são vetores amplamente explorados, por encontrarem em muitas organizações condições favoráveis e críticas, como as falhas nos mecanismos de autenticação, tokens de acesso mal configurados, a ausência de autenticação multifator e permissões excessivas ou mal gerenciadas. Estas fragilidades representam um ponto crítico, pois criam janelas de oportunidade para invasores suplantarem os mecanismos de segurança, ganhando acesso não autorizado a sistemas sensíveis.
3. Exposição de dados sensíveis não intencional configura um vetor de ataque particularmente insidioso. Respostas de API que não passam por processos adequados de sanitização podem revelar dados críticos, comprometendo a confidencialidade organizacional e expondo a empresa a riscos significativos de vazamento de informações.
4. Manipulação e falsificação de requisições são técnicas de ataque que utilizam as funções originais das interfaces API para manipular os dados obtidos ou enviados e comprometer os ambientes alvo. As técnicas mais comumente utilizadas são as de Cross-Site Request Forgery (CSRF), falsificação de solicitações entre diferentes serviços, interceptação e modificação de requisições, e exploração de endpoints desprotegidos.
5. Ataques de negação de serviço (DoS/DDoS) buscam comprometer a capacidade dos endpoints em responder às solicitações reais e utilizam diferentes técnicas ou estratégias de comprometimento, com a sobrecarga intencional de recursos, o consumo excessivo de capacidade computacional, a degradação proposital de desempenho. Ao consumir excessivamente a capacidade do sistema, os invasores conseguem degradar o desempenho e potencialmente inviabilizar serviços críticos para a operação empresarial.
6. Vulnerabilidades em gerenciamento de sessão comprometem os endpoints API porque os atacantes exploram pontos frágeis identificados nos ambientes, direcionando sua atenção em tokens de sessão mal gerenciados, ausência de mecanismos de expiração de sessão, reutilização de credenciais não expiradas e a captura e replay de sessões autenticadas.
No ambiente tecnológico latino-americano, os vetores de ataque e demais dificuldades em estabelecer processos eficientes de proteção assumem contornos ainda mais complexos. A diversidade de infraestruturas, os investimentos tecnológicos limitados e a velocidade de transformação digital criam um cenário de alta vulnerabilidade, demandando abordagens sofisticadas de proteção.
Para enfrentar essa realidade, as organizações precisam desenvolver uma estratégia multidimensional de segurança. Isso implica na implementação de processos rigorosos de validação, adoção de mecanismos avançados de autenticação, realização de auditorias periódicas e investimento contínuo em capacitação técnica.
Segurança de APIs: Setores estratégicos mais vulneráveis
As APIs representam verdadeiras portas de entrada digitais para sistemas corporativos. Determinados setores, pela natureza de suas operações e volume de dados processados, tornaram-se alvos preferenciais de ciberataques.
Setor Financeiro
O ecossistema financeiro configura-se como o principal alvo de ataques direcionados a APIs. Instituições bancárias, Fintech e plataformas de pagamento processam volumes massivos de informações sensíveis, tornando-se especialmente atrativas para cibercriminosos.
Saúde e Tecnologia Médica
Sistemas de prontuários eletrônicos, plataformas de telemedicina e redes de gestão hospitalar representam outro vetor crítico. A quantidade de informações pessoais e dados médicos sensíveis os transformam em ambientes extremamente lucrativos para ataques.
Tecnologia e Comunicações
Empresas de tecnologia, especialmente plataformas de cloud computing e telecomunicações, são alvos constantes pela possibilidade de acesso a infraestruturas complexas e interconectadas.
E-commerce e Varejo Digital
O crescimento exponencial do comércio eletrônico ampliou significativamente a superfície de exposição, com APIs de pagamento, logística e gestão de estoque tornando-se pontos vulneráveis.
Casos
Alguns exemplos de ataques utilizando interfaces APS que ocorreram nos últimos dois anos podem ser citados, uma vez que os mesmos possuem dados públicos.
No setor financeiro, podemos citar um caso ocorrido em março de 2023, onde uma instituição financeira brasileira enfrentou um ataque que explorou vulnerabilidades em APIs de autenticação, comprometendo temporariamente dados de milhares de usuários. Os impactos divulgados pela instituição estimaram um prejuízo de R$ 15 milhões em processos de recuperação do ambiente, queda significativa no valor das ações da empresa imediatamente após a divulgação do problema e ainda custos adicionais com auditorias e reforço na segurança. Dados de aproximadamente 3,2 milhões de clientes foram expostos, o que motivou a necessidade de troca de credenciais de acesso dos mesmos.
No setor de saúde, em 2022, o Sistema de Saúde Argentino identificou um problema de vulnerabilidade de acesso aos prontuários eletrônicos de pacientes, permitindo acesso não autorizado a registros médicos confidenciais, expondo informações de aproximadamente 250.000 pacientes em múltiplas províncias. Como consequência, houve processos judiciais por violação de lei de proteção de dados pessoais e multa equivalente a 2% do faturamento anual da instituição.
Já no setor de tecnologia, em 2023, um grande player no setor de e-commerce sofreu um vazamento de dados de aproximadamente 8 milhões de usuários devido à exploração de vulnerabilidades em APIs de integração. A organização arcou com custos de comunicação e mitigação estimados em US$ 1,2 milhão e o processo interno de investigação teve duração de 6 meses. Já os usuários ficaram com risco de fraudes em transações online, necessidade de monitoramento de seus cartões de crédito e cancelamento e reemissão de credenciais de acesso.
No caso destes ataques bem-sucedidos, todos compartilham características comuns como:
- Exploração de falhas em processos de autenticação;
- Ausência de mecanismos robustos de validação de entrada;
- Configurações inadequadas de segurança;
- Falta de monitoramento em tempo real.
Além de tudo que já foi comentado acima, não se pode esquecer dos impactos reputacionais que estes ataques trouxeram às organizações. Estes estão relacionados à perda de confiança de clientes e consumidores, necessidades de recuperação de reputação e o senso de percepção de baixa segurança digital que os ataques trazem. Os custos para as organizações aqui envolvidos não podem ser calculados.
Futuro dos Ataques em APIs: Previsões e Estratégias de Prevenção
O cenário de ataques em APIs para os próximos anos apresenta uma complexidade crescente, caracterizada por estratégias cada vez mais sofisticadas e automatizadas. As projeções indicam uma evolução significativa nos vetores de ataque, impulsionados por avanços tecnológicos e mudanças no ambiente digital, como a introdução das soluções de AI. Aliás, a inteligência artificial é um fator importantíssimo nesse contexto, pois esta é fortemente utilizada pelos atacantes para aprimorar suas técnicas de ataque não somente contra as interfaces de APIs. Organizações mais bem preparadas devem também utilizar desta evolução tecnológica para estarem cada vez mais bem protegidas e seguras.
Principais Vetores – Previsão
Inteligência Artificial e Ataques Automatizados – Os ataques futuros serão progressivamente orquestrados por sistemas de inteligência artificial, capazes de identificar vulnerabilidades com precisão algorítmica, desenvolver estratégias de penetração em tempo real, adaptar táticas de modo autônomo e evadir mecanismos tradicionais de detecção.
Ataques Baseados em Computação Quântica – Emergem perspectivas de ataques que utilizarão capacidades computacionais quânticas para quebrar criptografias contemporâneas, processar volumetrias massivas de dados e desenvolver padrões de invasão imprevisíveis.
Estratégias de Prevenção Recomendadas
Implementar uma arquitetura de segurança multicamadas – criando níveis e camadas distintas para acesso à informação, que dificultem o acesso aos atacantes.
Autenticação e autorização – implementar técnicas de autenticação multifator avançada, utilizar tokens com curto período de validade e adotar mecanismos de autorização baseados em contexto.
Monitoramento e Detecção – implementar sistemas de detecção de anomalias que utilizem machine learning, monitorar em tempo real do tráfego de APIs e desenvolver sistemas de resposta automatizada.
Arquitetura Zero Trust – a abordagem Zero Trust emerge como modelo fundamental de segurança, pressupondo: nenhuma confiança automática em usuários ou sistemas, verificação contínua de credenciais e utilização de princípio de menor privilégio de acesso.
A proteção de APIs transcende aspectos meramente tecnológicos. Representa um processo dinâmico de compreensão, antecipação e neutralização de ameaças em constante evolução. As organizações que desenvolverem resiliência cibernética integrada – combinando tecnologia, processos e capacitação humana – estarão mais bem preparadas para os desafios.
A segurança de interfaces de programação de aplicações (APIs) não representa apenas um desafio tecnológico, mas configura-se como um elemento crítico da estratégia corporativa. A jornada de proteção de APIs transcende a implementação de barreiras técnicas. A segurança de APIs não é um destino, mas uma jornada contínua de aprendizado e adaptação. Organizações que compreenderem essa dinâmica transformarão potenciais vulnerabilidades em oportunidades de fortalecimento estratégico.
A segurança não é um estado estático, mas um processo dinâmico de constante evolução e aprendizado.
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