Pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, desenvolveram um modelo de inteligência artificial (IA) projetado especificamente para o setor público brasileiro. A solução, batizada de LLM4Gov, foi reconhecida internacionalmente ao conquistar o prêmio de melhor trabalho acadêmico no Latin American Symposium on Digital Government (LASDiGov), um dos principais eventos da América Latina voltados à aplicação de tecnologia na gestão pública.
O diferencial do sistema é sua capacidade de operar localmente em máquinas comuns, sem depender de servidores externos ou de nuvens estrangeiras, o que garante maior controle e proteção de dados sensíveis. Essa característica coloca o projeto na vanguarda da chamada soberania digital, tema cada vez mais estratégico para governos que buscam reduzir a dependência de plataformas globais.
Modelo protege dados sigilosos e atende à LGPD
O LLM4Gov foi concebido para analisar documentos confidenciais, como processos jurídicos e administrativos, preservando a privacidade das informações. Diferentemente de soluções comerciais que enviam dados para data centers externos, o novo modelo permite que todas as informações permaneçam dentro da infraestrutura dos próprios órgãos públicos, alinhando-se às exigências da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e do regulamento europeu GDPR.
Essa arquitetura local elimina riscos de vazamentos e interceptações, um desafio recorrente em implementações de IA generativa no setor público. “Nosso objetivo é oferecer inteligência artificial de ponta que respeite a confidencialidade e as particularidades do ambiente governamental brasileiro”, destacou o professor Ricardo Marcacini, um dos líderes do projeto.
Tecnologia compacta e eficiente para uso público
O desenvolvimento do LLM4Gov utilizou a técnica teacher-student, na qual um modelo de linguagem grande e complexo (professor) treina um modelo menor (aluno). Combinado ao método de destilação de conhecimento, que remove informações redundantes, esse processo resulta em um sistema mais leve, de código aberto e com baixo consumo de recursos computacionais, capaz de funcionar mesmo em computadores convencionais.
Essa característica é considerada essencial para viabilizar a adoção da IA por órgãos públicos de diferentes portes e orçamentos, eliminando a necessidade de investimentos elevados em infraestrutura tecnológica.
Parte de uma estratégia maior: Agents4Gov
O LLM4Gov integra a iniciativa Agents4Gov, financiada pela Fapesp, que busca criar soluções de IA específicas para o setor público nacional. A proposta do programa é permitir que governos utilizem tecnologias de ponta sem abrir mão da privacidade, da segurança da informação e da conformidade regulatória.
Além de Marcacini, assinam o trabalho os pesquisadores Jorge Carlos Valverde-Rebaza, Brucce Neves Santos e Solange Rezende (USP), Marcelo A. S. Turine (UFMS) e Silvio Levcovitz (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN). O projeto já mantém parcerias com a PGFN e com a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, além de iniciativas conjuntas com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e a Capes.
Avanço estratégico para a soberania digital brasileira
A conquista do prêmio no LASDiGov reforça a relevância do trabalho para o ecossistema de governo digital na América Latina. Com o LLM4Gov, o Brasil dá um passo importante para reduzir a dependência de tecnologias estrangeiras e avançar na construção de um ecossistema nacional de inteligência artificial, pautado por princípios de segurança, transparência e responsabilidade.
Em um cenário global marcado por disputas geopolíticas em torno de dados e algoritmos, iniciativas como a do ICMC-USP posicionam o país como protagonista na criação de soluções éticas e soberanas para o setor público. Segundo os pesquisadores, os próximos passos incluem a ampliação de testes com órgãos governamentais e o desenvolvimento de novos módulos especializados para áreas como saúde, educação e administração tributária.
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