Enquanto o país celebra conquistas como o PIX e a crescente digitalização dos serviços públicos, uma ameaça silenciosa avança nas sombras da internet: o cibercrime. Em 2024, o Brasil se tornou território fértil para o avanço de ataques cibernéticos em escala industrial. Dados de um novo relatório revelam um cenário alarmante: ao menos 30 grupos de ransomware operam livremente no país, responsáveis por 114 ataques que atingiram 105 organizações — algumas delas, mais de uma vez no mesmo ano.
Mais grave ainda, 309 bancos de dados brasileiros foram comprometidos, totalizando cerca de 37 milhões de contas vazadas apenas nos primeiros seis meses do ano. O volume e a sofisticação dessas ações colocam o Brasil como um dos principais alvos de cibercriminosos internacionais, que atuam com estrutura, estratégia e recursos comparáveis aos de grandes corporações.
Um mercado invisível, mas altamente lucrativo
A atuação das quadrilhas é sustentada por um ecossistema altamente estruturado e operado com eficiência empresarial. Plataformas da dark web funcionam como verdadeiros marketplaces, nos quais acessos a sistemas corporativos, credenciais bancárias e bases de dados completas são negociados com rapidez e sigilo. A lógica é simples: os dados das vítimas viram moeda de troca.
Hospitais, instituições financeiras, órgãos governamentais e empresas de telecomunicações estão entre os alvos mais recorrentes. Esses setores concentram informações críticas e, por isso, são altamente lucrativos para os atacantes. A recorrência dos incidentes revela um padrão: quanto mais essencial o serviço, maior o valor de resgate exigido.
O Brasil como alvo estratégico do cibercrime
O crescimento da digitalização no Brasil, impulsionado por políticas públicas, inovação no setor bancário e ampla adoção de soluções digitais, acabou expondo o país a riscos que evoluíram mais rápido do que a sua capacidade de resposta. A ausência de estratégias robustas de proteção de dados e a baixa maturidade cibernética em muitas organizações transformaram o Brasil em terreno fértil para ciberataques orquestrados por quadrilhas internacionais.
Ao longo de 2024, pelo menos 185 organizações brasileiras tiveram informações confidenciais expostas em fóruns clandestinos. Entre elas, há entes públicos, prestadores de serviços profissionais e empresas de infraestrutura crítica. O que deveria ser protegido com rigor se tornou item de prateleira em ambientes onde o anonimato é a única regra.
O crime como serviço: a terceirização da invasão
A dinâmica do cibercrime evoluiu. Pequenos criminosos realizam invasões iniciais, vendem os acessos em plataformas clandestinas e grandes grupos assumem a operação para aplicar golpes mais elaborados. A venda de credenciais válidas — os chamados acessos iniciais — movimenta um mercado de corretores especializados. São eles que entregam, por valores negociáveis, a chave de entrada para redes corporativas.
Com esses acessos, as possibilidades se multiplicam: roubo de dados, criptografia de sistemas para exigir resgate ou simples espionagem prolongada. Trata-se de uma nova forma de “franquia” do crime digital, onde funções são distribuídas e monetizadas com precisão.
Ataques silenciosos, prejuízos reais
Além dos ataques de ransomware que estampam manchetes, existe uma epidemia menos visível, porém igualmente perigosa: a infecção silenciosa por malwares especializados na extração de dados. Programas como RedLine, Lumma e RisePro atuam discretamente em dispositivos infectados, coletando senhas, cookies, informações bancárias e até capturas de tela.
O impacto é gigantesco. Desde 2021, mais de 103 milhões de registros associados a domínios “.br” circulam na dark web. Cerca de 15% desses dados têm relação com contas públicas ou serviços governamentais, o que expõe ainda mais a vulnerabilidade das estruturas do Estado. A fragilidade não está apenas nos sistemas, mas na ausência de uma governança eficaz que trate a cibersegurança como prioridade estratégica.
Um problema cultural, não apenas técnico
Embora as soluções técnicas existam — como o monitoramento da dark web e a proteção ativa de endpoints —, o principal gargalo está na mentalidade. Muitas empresas e instituições ainda veem a segurança digital como um item de checklist regulatório, e não como um pilar essencial para a continuidade dos negócios.
Essa visão limitada abre brechas exploradas diariamente por grupos especializados, que já operam com profissionalismo extremo, enquanto muitas organizações ainda tratam o tema com amadorismo. A digitalização, que deveria ser caminho para o progresso, acabou também abrindo portas para predadores digitais altamente organizados.
O Brasil na encruzilhada digital
A metáfora utilizada no título do relatório “Fluindo pela Amazônia” é mais do que simbólica: o Brasil navega em um rio de oportunidades digitais, mas cercado por riscos ocultos. A diferença é que, neste cenário, os predadores não são visíveis — e os perigos estão apenas a um clique de distância.
É urgente que empresas, governos e líderes de tecnologia adotem uma nova postura frente à segurança cibernética. O país precisa deixar de ser terreno fácil para quadrilhas digitais e se posicionar como referência em proteção de dados. Nesse rio turbulento, apenas os mais preparados permanecerão à tona.
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