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quinta-feira, junho 12, 2025
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Por que expatriações me tornaram um líder de transformação digital melhor

Ontem, dirigi em deslocamento que deveria durar uma hora e meia, mas se transformou em três horas e quarenta minutos. 100 quilômetros percorridos em ritmo de pedalada – Se eu fosse pedalando forte talvez até empatasse com o carro – tudo isso por causa de um caminhão incendiado na estrada. Quando finalmente cheguei a São Paulo, descobri que ainda precisava dar a volta por fora da região de rodízio para chegar em casa. Duas rotas alternativas em uma única viagem.

Enquanto driblava o trânsito e buscava essas rotas alternativas, me peguei pensando: quantas vezes a liderança não é exatamente isso? Encontrar caminhos quando o óbvio não funciona, adaptar-se quando surgem obstáculos inesperados no meio do percurso, e chegar ao destino mesmo que por uma rota completamente diferente da planejada.

Essa reflexão me trouxe de volta às múltiplas experiências que realmente moldaram minha forma de liderar transformações digitais. Não escrevo isso para impressionar ninguém, mas porque cada experiência internacional me ensinou algo que uso até hoje – principalmente quando o “caminhão pega fogo” no meio do projeto, da missão, ou quando você descobre que precisa contornar mais um obstáculo que não estava no mapa.

Em 2009, enquanto o Brasil descobria o iPhone, eu estava em Madrid testando se uma conexão 3G conseguiria gerenciar cabos ópticos submarinos que conectavam continentes. Era o tipo de projeto que, se desse errado, poderia dificultar o acesso de gerência e reparo de comunicações internacionais. Assim como ontem no trânsito, não havia plano B óbvio – só a necessidade de encontrar uma solução que funcionasse.

Ao longo de mais de 25 anos, tive a oportunidade de viver e liderar projetos tecnológicos críticos em diferentes países e contextos. Cada um me ensinou algo único sobre como navegar transformações complexas, especialmente quando o caminho planejado simplesmente não existe mais.

Estados Unidos (1995) – primeira lição de adaptação

Tive a sorte de participar de um intercâmbio de cinco meses na Carolina do Norte quando poucos tinham essa oportunidade. Tinha 15 anos quando viajei e completei 16 anos lá, numa época em que sair do país para estudar inglês era algo raro. Era tão diferente que ainda lembro do avião com aqueles fones de ouvido do tipo “estetoscópio” e também da minha visita ao topo de uma das torres gêmeas em Nova York.

Quando cheguei à Carolina do Norte, me vi num contexto onde os vários intercambistas da região eram pelo menos um ano mais velhos que eu. Era um grupo já estabelecido, com suas rotinas e hierarquias informais definidas.

Os mais velhos naturalmente assumiam posições de liderança, e eu, sendo o mais novo, tive que aprender a me integrar com eles seguindo o fluxo. Esta foi minha primeira lição sobre liderança situacional: às vezes você lidera, às vezes você segue, e a sabedoria está em saber quando fazer cada um.

Morar com uma família americana por cinco meses me ensinou que adaptação cultural não é só sobre idioma, o que por si só já foi um baita desafio – é sobre entender códigos sociais não escritos, ritmos diferentes, e principalmente, sobre como construir relacionamentos quando você está completamente fora da sua zona de conforto e sem as referências que você está acostumado.

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Um garoto, um sonho e um grande líder ao fundo: Abraham Lincoln

Aprendizado: A liderança começa com a capacidade de se adaptar e integrar.

Lição de liderança: Aprendi que, antes de liderar qualquer transformação, você precisa primeiro entender profundamente o contexto onde está inserido. E que humildade para seguir quando necessário é tão importante quanto coragem para liderar quando preciso. Essa lição sobre liderança situacional se aplica a qualquer contexto profissional – como por exemplo, uma reunião onde você não é o mais sênior ou até projetos onde você precisa conquistar credibilidade antes de liderar.

Espanha (2009) – pioneirismo e risco calculado

Por coincidência, me vi testando uma tecnologia que pouco se dominava naquele tempo, e nem se imaginava que se tornaria padrão. Madrid, sede da maior operadora de telecomunicações da Espanha. Minha missão era encontrar alternativas para as tradicionais linhas discadas que permitiam acesso remoto aos roteadores responsáveis pela gestão de cabos ópticos submarinos internacionais.

O desafio não era pequeno. Esses equipamentos gerenciam a conectividade entre continentes. Uma falha poderia impactar comunicações globais, que naquela época passavam pela transição da importância do telefone para a internet.

O sistema tradicional e padrão naquela época funcionava assim: quando precisava acessar remotamente um roteador, você literalmente discava para um número de telefone específico que estava conectado àquele equipamento. Era uma solução que funcionava, mas dependia totalmente da rede de telefonia fixa e operava com velocidades de algumas dezenas de kilobits por segundo. Muito parecido com a internet discada que ainda usávamos naquele ano.

Nossa proposta era ousada para a época – substituir essa tecnologia de acesso discado por conexões 3G. Em vez de ligar para números de telefone dos roteadores, usaríamos dados móveis para criar uma rede DCN (Data Communication Network) de gestão de equipamentos críticos. Estávamos literalmente comprovando que dados móveis poderiam ser confiáveis o suficiente para substituir a telefonia tradicional na gestão de infraestrutura internacional.

A vantagem era significativa: enquanto as linhas discadas entregavam algumas dezenas de kilobits por segundo – velocidade que podia ser muito comprometida pela extensão do circuito e a qualidade em uma chamada internacional, onde a outra ponta está literalmente do outro lado do mundo – o 3G nos daria algumas centenas de kilobits por segundo, representando dez a vinte vezes mais velocidade, com uma performance muito mais estável.

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Na despedida, tentaram até me converter, mas não deu certo.

Aprendizado: Inovação é muitas vezes sobre timing – ser pioneiro sem ser cobaia.

Lição de liderança: Quando você está em território inexplorado, sua responsabilidade como líder é dupla: proteger a operação atual enquanto testa o futuro. Aprendi que grandes transformações começam com pequenos testes calculados – falha e sucesso. Isso se aplica a qualquer mudança organizacional – você não abandona o que funciona até ter certeza de que a nova solução é melhor e mais confiável.

Brasil (2014-2016) – pressão global e excelência técnica

Embora tecnicamente não fossem expatriações, os projetos da Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas Rio 2016 me ensinaram tanto quanto qualquer experiência internacional. Afinal, trabalhávamos com os comitês organizadores, equipes e fornecedores do mundo inteiro, sob os olhos do planeta.

Trabalhando para uma das maiores integradoras de tecnologia da América Latina, tive dois grandes desafios em eventos globais.

Na Copa de 2014, liderei o projeto de segurança cibernética dos estádios, focando especificamente na contenção de eventuais ataques DDoS – Distributed Denial of Service. Para quem não conhece, um ataque DDoS é quando milhares de computadores infectados bombardeiam simultaneamente um servidor ou rede com solicitações falsas, sobrecarregando o sistema até ele parar de funcionar. Um ataque bem-sucedido durante um jogo do Brasil, Argentina ou Alemanha poderia derrubar a transmissão para bilhões de pessoas assistindo ao redor do mundo.

Já para as Olimpíadas de 2016, o desafio foi ainda maior: liderei tecnicamente a implementação do projeto de backbone óptico DWDM que suportaria toda a transmissão de TV e dados dos Jogos Olímpicos. Era literalmente a espinha dorsal tecnológica que conectaria o Rio de Janeiro com o mundo durante duas semanas, encerrando somente ao final dos Jogos Paralímpicos.

Em ambos os projetos, a pressão era constante, ritmo intenso de implantação, o monitoramento 24×7, e simplesmente não havia margem para erro. Equipes internacionais, fornecedores globais, especificações técnicas rigorosas e o mundo inteiro assistindo.

O resultado? Passamos os dois eventos sem nenhum incidente crítico que comprometesse o andamento das competições. Foi nessa época que aprendi uma lição valiosa sobre TI: quando não se ouve falar dela é porque está tudo funcionando muito bem. Como diz o ditado em inglês: “no news, good news”.

Aprendizado: Projetos críticos revelam quem você realmente é como líder.

Lição de liderança: Descobri que sob pressão extrema, sua função principal não é apenas entregar o projeto – é manter a equipe coesa e focada. Quando bilhões de pessoas dependem do seu trabalho, liderança se torna gestão de ansiedades, expectativas e energia coletiva. E principalmente: você aprende que excelência técnica e estabilidade emocional da equipe andam sempre juntas. Às vezes, o maior sucesso é justamente quando ninguém percebe que você estava lá. Esse princípio de “excelência silenciosa” se aplica a qualquer área – o melhor técnico de manutenção é aquele que você nem percebe que está lá, porque tudo funciona perfeitamente.

Porto Rico (2017-2018) – resiliência além do limite

Nem sempre foram sucessos – aprendi muito com os erros e desafios em Porto Rico. Aceitei a missão de estabelecer as operações de uma integradora de soluções tecnológicas brasileira em Porto Rico algumas semanas antes dos furacões Irma e Maria, em 2017, junto com um colega que aceitou esse desafio e por lá ficou um bom tempo. O que começou como um projeto de expansão se transformou numa operação de recuperação de desastre.

O caos e a devastação eram tão grandes que eu só consegui viajar para a ilha 50 dias após o segundo furacão. Chegar a Porto Rico com a maior parte da população ainda sem energia era desalentador. Ver a infraestrutura das cidades em colapso, me trazia memórias de imagens de um filme de guerra. Logo na primeira semana, passei sete dias inteiros sem luz no hotel, trabalhando com uma extensão ligada a uma tomada energizada pelo gerador, um ventilador e um abajur.

Os desafios eram múltiplos e simultâneos. Precisava representar a empresa frente aos executivos do cliente – a principal operadora de telecomunicações da ilha – ao mesmo tempo que iniciava o trabalho técnico nos sites: vistoriando instalações, recebendo e instalando equipamentos. Paralelamente, tocava todas as atividades de startup da operação: questões burocráticas frente ao governo, abertura de escritório, contratação de pessoas – esse talvez o maior desafio, credenciamento de fornecedores e até estabelecimento de uma operação comercial.

Era como ser CEO, CTO, RH e técnico de campo simultaneamente, numa ilha ainda se recuperando de uma catástrofe humanitária. Alguns setores levaram quase um ano para voltar a ter abastecimento de energia elétrica.

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Um dia de trabalho, em um dos sites do cliente.

Aprendizado: Resiliência não é resistir à mudança, é se adaptar mais rápido que o contexto.

Lição de liderança: Em situações extremas, aprendi que o líder mais importante não é quem tem todas as respostas, mas quem consegue ser múltiplas pessoas quando necessário. Às vezes você precisa ser estratégico de manhã, operacional à tarde e humano à noite. Ou tudo isso em um intervalo de meia hora! Essa flexibilidade de papéis é essencial em qualquer transformação organizacional – você precisa saber quando ser visionário, quando ser executor e quando ser simplesmente alguém que escuta.

Catar (2020-2021) – convergência e visão de futuro

Tive o privilégio de liderar um projeto único, mas a pandemia me ensinou que planejamento nem sempre funciona. Doha era o destino, mas a pandemia reescreveu completamente o roteiro do projeto e o meu itinerário.

Eu tinha programado uma viagem para iniciar a transformação digital da infraestrutura de saneamento para uma das maiores empresas francesas de utilities do mundo – um projeto que integraria TI e tecnologia operacional de saneamento para gerar impactos reais na operação antes mesmo da Copa do Mundo de 2022 – o meu terceiro grande evento esportivo.

Então, a pandemia estourou globalmente na semana da minha viagem e eu literalmente, de malas prontas, não consegui viajar.

De repente, me vi liderando um projeto crítico de infraestrutura internacional trabalhando do meu home office em São Paulo, com seis horas de diferença de fuso horário. Na prática, isso significava trabalhar todos os dias das duas da manhã até meio-dia para conseguir sincronizar com as equipes no Oriente Médio. Como eu gosto de brincar, naquela época o periquito virou morcego.

Foram quatro meses nessa rotina – coordenando equipes multinacionais espalhadas por 5 países, estruturando um projeto de modernização de sistemas SCADA, EAMS/CMMS, GIS, convergência IT/OT e implementação de IoT industrial, tudo através de videochamadas e muitas trocas de documentos e mensagens no meio da madrugada brasileira.

Quando Dubai se tornou a primeira fronteira a reabrir, consegui finalmente viajar. Passei um ano em Dubai esperando a fronteira do Catar abrir, mas dessa vez com um fuso horário bem mais confortável – apenas uma hora de diferença. De lá, toquei boa parte da estruturação do projeto remotamente, até conseguir finalmente chegar ao local da operação.

O projeto envolvia criar uma arquitetura de sistemas e dados que permitisse o monitoramento dos incidentes, equipes e ativos em tempo real, mas o diferencial era o timing: não estávamos apenas preparando infraestrutura para um evento, mas transformando a operação cotidiana de sistemas críticos de saneamento. Os resultados tinham que aparecer durante a implementação, melhorando a eficiência e segurança das operações e das pessoas meses antes do evento mundial. Era desafiador ser medido por um KPI que mostrava quantas pessoas eram desmobilizadas do campo e ambientes hostis – certamente evitamos muitos acidentes…

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De EPI em campo era sempre mais divertido e lugar para ótimos insights!

Aprendizado: O futuro é híbrido – pessoas, tecnologias, culturas e também horários.

Lição de liderança: Aprendi que transformação digital real acontece quando você consegue conectar objetivos de longo prazo com melhorias tangíveis de curto prazo, mesmo coordenando tudo de madrugada. E que liderar remotamente em contextos extremos exige repensar completamente como você comunica visão, constrói confiança e mantém a energia da equipe quando você mesmo está operando fora da sua zona de conforto. A pandemia nos ensinou que liderança efetiva pode acontecer de qualquer lugar – o que importa é clareza na comunicação e constância na presença, mesmo que virtual.

O fio condutor

Olhando para esse resumo mental que comecei a pensar ontem ao volante, vejo um fio condutor em toda essa jornada: partir da base sólida em telecomunicações e TI e aplicar esse conhecimento em setores onde tecnologia não é o core-business, mas que vem se tornando absolutamente crítica para as operações.

Do backbone que conecta continentes aos sistemas que fazem coleta e tratamento de esgoto, passando pela gestão de ecossistemas completos de tecnologia para grandes clientes de manufatura e automotiva, o aprendizado foi o mesmo:

Transformação digital só funciona quando você entende profundamente tanto a tecnologia quanto o negócio a que ela deve servir, pois ela é meio e não fim.”

Essa trajetória me permitiu construir algo relevante no mercado: liderança em transformação digital que funciona tanto no core tecnológico quanto nas operações críticas dos negócios. E principalmente, a capacidade de unir o mundo de TI com o mundo de negócios, traduzindo complexidade técnica em valor operacional tangível para clientes que dependem de tecnologia para produzir, mas não são empresas de tecnologia.

A síntese

Múltiplas experiências, cinco países, diversas crises, acertos e erros somados e uma certeza: liderança em transformação digital não se aprende em só em um MBA. Se aprende na pressão real de implementar o que muitas vezes se apresenta como impossível.

Cada experiência internacional me ensinou que tecnologia é universal, mas liderança é profundamente humana e contextual. Desde aquele jovem de 15 anos aprendendo a se integrar na Carolina do Norte até coordenar equipes multinacionais durante uma pandemia, a lição central permanece: liderar transformação é sobre conectar pessoas, culturas e tecnologias de forma harmoniosa.

Hoje, quando desenho uma estratégia de transformação digital, não penso apenas em servidores, algoritmos e dados. Penso nas pessoas que vão implementar, nos contextos que vão influenciar, nas crises que inevitavelmente vão testar a resiliência e a continuidade da solução.

E principalmente: no que pode dar errado. Porque foi isso que mais de 25 anos de experiências ao redor do mundo me ensinaram – o líder que não tem plano B, não tem plano.

A transformação digital é, antes de tudo, um exercício de liderança humana aplicada à tecnologia. E isso só se aprende fazendo, errando, ajustando e fazendo de novo.

Olhando sua trajetória, qual experiência te transformou mais como líder? Não precisa ser internacional – às vezes as maiores lições estão mais perto do que imaginamos.

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Mauro Periquito
Mauro Periquito
Engenheiro de Telecomunicações e Consultor de Tecnologia, com o objetivo de desenvolver e gerenciar projetos de transformação digital para indústria, utilities, mineração, agronegócio e operadoras de telecomunicações. Em sua trajetória profissional, tem como propósito traduzir as necessidades dos clientes em soluções customizadas.
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