O avanço tecnológico tem transformado não apenas a forma como interagimos e conduzimos nossas vidas, mas também como os crimes são praticados. O ambiente digital, embora ofereça inúmeros benefícios, tornou-se um campo fértil para a atuação de criminosos cibernéticos que transcendem fronteiras físicas e desafiam as estruturas tradicionais de segurança pública, em especial pela não presença fiscalizatória e coercitiva no espaço cibernético, espaço este que une 5 bilhões de pessoas espalhadas pelo mundo e que não possui fronteiras ou territórios. Nesse contexto, o engajamento e a integração Multi-institucional despontam como pilares indispensáveis para o combate eficaz aos crimes cibernéticos.
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A Falta de Integração Como Obstáculo
A ausência de integração entre as forças de segurança pública no Brasil tem sido um desafio histórico. Conforme pontuado no fórum “A evolução tecnológica na segurança pública”, discutido em 2021, há mais de duas décadas fala-se da necessidade de integrar as bases de dados estaduais e federais. No entanto, pouco progresso foi feito.
Um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que cerca de 67% das Secretarias de Segurança Pública (SSPs) não compartilham informações nem mesmo com estados vizinhos. Esse gargalo é particularmente grave no combate aos crimes cibernéticos, pois possibilita que criminosos operem de maneira praticamente anônima, em diversos estados, causando, muitas vezes, duplicidade de investigações, consumindo tempo e recursos do Estado, sob diversos aspectos.
Imagine, por exemplo, um criminoso que atua digitalmente no Maranhão e, ao perceber sinais de investigação, transfere suas operações para Goiás. A ausência de compartilhamento de dados entre esses estados dificulta a continuidade da investigação, abrindo espaço para a impunidade. Crimes cibernéticos não respeitam limites geográficos; combatê-los exige integração eficiente de dados e esforços coordenados entre estados e a esfera federal, ou seja, Inteligência Investigativa!
Capacitação: O Alicerce de Uma Segurança Cibernética Eficaz
O investimento em infraestrutura e capacitação é outro ponto crítico. Embora alguns estados tenham avançado na criação de delegacias especializadas em crimes cibernéticos, como São Paulo, com sua Divisão de Crimes Cibernéticos, muitos ainda estão apenas começando a estruturar suas unidades. Em estados como a Bahia, a primeira delegacia especializada surgiu apenas no segundo semestre de 2022, evidenciando a disparidade no preparo nacional para lidar com a criminalidade digital.
Ainda quando há a criação da delegacia especializada, os problemas relacionados a infraestrutura necessária (softwares, hardwares, processos, equipamentos etc.) são grandes e enfrentados pelas Forças Policiais diariamente. Um único equipamento enviado para perícia pode ficar anos sem ser verificado, não pela falta de vontade, mas sim, pelo enorme volume e pelo tempo necessário para que sejam corretamente periciados, preservando a importante cadeia de custódia.
Além disso, mesmo nos estados onde essas delegacias já existem, a falta de treinamento contínuo para as forças de segurança é um problema significativo. Sem atualização constante, profissionais de segurança pública, Ministério Público e Judiciário correm o risco de ficar defasados diante das rápidas mudanças nas táticas dos cibercriminosos. Programas como o Plano Tático de Combate aos Crimes Cibernéticos, lançado pelo Ministério da Justiça, são passos importantes, mas a capacitação deve ser mais ampla e sistemática, abrangendo todos os níveis do sistema de justiça.
Cooperação Internacional: Um Requisito Inevitável
O caráter transnacional dos crimes cibernéticos exige que o Brasil adote uma postura mais proativa na cooperação internacional. A adesão à Convenção de Budapeste, um marco no combate ao crime cibernético global, é um exemplo positivo. Esse acordo possibilita a assistência mútua entre países, incluindo a troca de informações sobre crimes digitais e o acesso a dados armazenados em servidores localizados em diferentes territórios.
Contudo, a adesão por si só não basta. É preciso operacionalizar os benefícios oferecidos por este e outros tratados (MLAT – sigla para Mutual Legal Assistance Treat, ou Tratado de Assistência Jurídica Mútua), capacitando as forças de segurança para utilizá-los de forma eficaz. Além disso, o Brasil deve ampliar sua participação em fóruns internacionais de segurança cibernética, promovendo eventos e exercícios conjuntos com outros países. A segurança digital é uma questão global e, sem parcerias internacionais, qualquer esforço será insuficiente.
A Gestão Nacional: Uma Lacuna Ainda Presente
O Decreto nº 11.856, promulgado em dezembro de 2023, que instituiu a Política Nacional de Cibersegurança e criou o Comitê Nacional de Cibersegurança, representa um avanço significativo. No entanto, sua implementação precisa ir além de declarações de intenção. A criação de um sistema integrado que una esforços públicos e privados, coordenando ações em nível nacional, é essencial para enfrentar ameaças cibernéticas com eficiência.
Um exemplo é o Global Cybersecurity Index (GCI), que avalia a capacidade organizacional dos países em cibersegurança. Para melhorar seu desempenho nesse índice, o Brasil precisa não apenas de estratégias nacionais robustas, mas também de mecanismos que garantam sua aplicação prática. O GSI, responsável por planejar e supervisionar a segurança da informação no país, desempenha um papel crucial, mas é necessário fortalecer essa estrutura e assegurar que todas as diretrizes sejam executadas de forma coordenada.
A Necessidade de um Plano Nacional Estratégico
A ausência de um plano nacional que articule de forma abrangente as diretrizes da Estratégia Nacional de Segurança Cibernética é um entrave significativo. O Brasil já deu passos importantes, como a criação de estruturas e adesão a tratados internacionais, mas ainda falta uma estratégia coesa que conecte todas essas iniciativas e diferentes entes da Federação e do setor privado.
Esse plano deve incluir ações para conscientizar autoridades sobre as ferramentas disponíveis, garantir a implementação das diretrizes internacionais e promover a capacitação contínua de profissionais. A exemplo do Projeto de Lei 4556/2020, que visa destinar recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para treinamento em criminalidade cibernética, é fundamental que mais iniciativas legislativas e executivas avancem para consolidar um ambiente digital seguro.
Transformar Potencial em Realidade
A segurança cibernética no Brasil está em um estágio de desenvolvimento, mas os desafios a serem superados são substanciais. Integração, capacitação e cooperação, tanto nacional quanto internacional, são os três pilares indispensáveis para que o país avance nessa temática.
Com um plano estratégico bem estruturado, que una esforços públicos e privados, nacionais e internacionais, o Brasil pode não apenas mitigar os impactos dos crimes cibernéticos, mas também melhorar seu posicionamento global nos quadros avaliativos (rankings internacionais). É hora de transformar potencial em realidade, garantindo proteção para cidadãos, empresas e governos em um mundo cada vez mais digitalizado.
Nota do autor:
A título de esclarecimento adicional, coloco abaixo as principais características de um MLAT:
MLAT é a sigla para Mutual Legal Assistance Treaty, ou Tratado de Assistência Jurídica Mútua em português. Trata-se de um acordo internacional entre países que estabelece mecanismos formais para a cooperação jurídica em investigações e processos criminais. O MLAT é especialmente importante em casos que envolvem crimes transnacionais, como crimes cibernéticos, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, terrorismo e outros que frequentemente ultrapassam fronteiras.
Como funciona um MLAT?
Um MLAT permite que países solicitem e forneçam assistência jurídica uns aos outros de maneira oficial, respeitando suas legislações internas.
O país que precisa de assistência jurídica formaliza um pedido, conhecido como MLA Request (Solicitação de Assistência Jurídica Mútua), enviado por meio de autoridades competentes, como Ministérios da Justiça ou Procuradorias-Gerais.
A comunicação ocorre por canais oficiais, frequentemente envolvendo um ponto de contato designado (geralmente no Ministério da Justiça) que analisa a conformidade legal e processa a solicitação.
Os MLATs são ferramentas essenciais para a cooperação internacional em justiça criminal, oferecendo uma base legal estruturada para combater crimes que ultrapassam fronteiras nacionais.