Carlos, gerente de tecnologia de uma empresa de serviços financeiros, estava entusiasmado antes da reunião com seu time. Finalmente, após anos de insistência e meses de uma consultoria renomada, a alta diretoria havia decidido adotar práticas ágeis na área de tecnologia. O anúncio trouxe animação para a maioria da equipe, mas gerou ceticismo em Ana, uma desenvolvedora sênior. Ela via as cerimônias ágeis como perda de tempo e estava cada vez mais frustrada com a complexidade crescente dos sistemas e o alto acoplamento entre componentes, que levavam a cada vez mais complexidade nas mudanças.
Nos meses seguintes, apesar da implementação das cerimônias recomendadas pela consultoria, o resultado foi uma crescente frustração. A cadência exigida pelas práticas ágeis não correspondia à realidade dos sistemas. Mudanças aparentemente simples desencadeavam múltiplas dependências imprevistas, exigindo coordenação constante entre equipes. A complexidade dos sistemas dificultava o trabalho dos novos desenvolvedores, que frequentemente precisavam de ajuda dos veteranos como Ana. O processo de implantação manual e demorado ainda desestimulava entregas frequentes. Para piorar, incidentes frequentes em produção desviavam a atenção dos times, obrigando-os a dividir seu tempo entre desenvolvimento e suporte emergencial.
Em uma reunião acalorada meses depois, Carlos, Ana e Jorge, o arquiteto do sistema, junto a outras pessoas-chave da equipe, discutiram abertamente os obstáculos enfrentados. Jorge apontou que as características da arquitetura dos sistemas da empresa dificultavam a adoção efetiva da agilidade. O grupo concluiu que era necessário primeiro resolver os problemas estruturais mais críticos para conseguir extrair os benefícios tão esperados da agilidade.
O papel da arquitetura na viabilização da agilidade
A adoção de metodologias ágeis transformou profundamente a maneira como as empresas desenvolvem e entregam produtos, prometendo flexibilidade, rapidez na resposta a mudanças e entrega contínua de valor. Contudo, a realização plena dessas promessas depende, em grande medida, das decisões arquiteturais feitas pelas equipes de desenvolvimento. Uma arquitetura bem projetada impulsiona a agilidade ao permitir mudanças rápidas e seguras, enquanto arquiteturas inadequadas podem criar gargalos, aumentar a complexidade e limitar a capacidade de resposta das equipes.
Uma arquitetura eficaz para agilidade é aquela que permite mudanças frequentes e incrementais com baixo risco. Para isso, algumas características arquiteturais são essenciais:
- Modularidade: uma arquitetura modular facilita mudanças isoladas, permitindo que equipes trabalhem de forma paralela com responsabilidades claras, reduzindo a complexidade e facilitando testes e implantações rápidas.
- Abstratabilidade: abstrair detalhes técnicos e operacionais permite que desenvolvedores concentrem-se nas regras de negócio e nas demandas dos clientes, reduzindo a carga cognitiva e acelerando o desenvolvimento.
- Adaptabilidade: sistemas adaptáveis facilitam mudanças com mínimo esforço, seja por meio de configurações ou pequenas alterações, permitindo rápidas respostas às necessidades emergentes do negócio.
- Afinidade Organizacional: alinhar a arquitetura com a estrutura das equipes melhora a comunicação, reduz dependências e facilita a colaboração, confirmando a famosa Lei de Conway: “a arquitetura do sistema espelha a estrutura da organização que o criou”.
Testabilidade, experimentação e observabilidade: pilares para mudanças seguras
Além dessas características, outros elementos arquiteturais suportam a agilidade, especialmente na validação rápida e segura das mudanças:

- Compreensibilidade: um sistema fácil de entender permite às equipes realizar mudanças com confiança, minimizando erros e simplificando manutenções futuras.
- Testabilidade: arquiteturas que suportam testes automáticos rápidos garantem ciclos curtos de feedback, essencial para a agilidade.
- Experimentação: a capacidade de realizar experimentos controlados (canary releases, blue-green deployments) permite validar rapidamente hipóteses, reduzindo riscos ao introduzir novidades.
- Observabilidade: monitorar o sistema em tempo real possibilita detectar problemas rapidamente, facilitando a tomada de decisões informadas e ágeis.
- Operabilidade: uma arquitetura fácil de operar e manter garante disponibilidade e confiabilidade, evitando interrupções frequentes que impactam negativamente a entrega ágil.
Essas características não existem isoladamente; elas formam um conjunto interconectado onde cada atributo reforça os demais. Por exemplo, uma boa modularidade melhora a testabilidade, que por sua vez fortalece a experimentação, e assim por diante.
O impacto estratégico das decisões arquiteturais
Investir continuamente na arquitetura é vital para sustentar a agilidade. Ignorar essas decisões, focando apenas no processo ágil, pode levar a acumular dívidas técnicas, dificultando mudanças e deteriorando a performance do negócio ao longo do tempo.
Portanto, líderes técnicos precisam considerar seriamente como suas decisões arquiteturais (passadas e presentes) impactam a agilidade das equipes. Eles devem observar sinais (como aqueles descritos na nossa história acima) para identificar se há impactos negativos; caso afirmativo, os líderes devem avaliar quais aspectos da sua arquitetura atual estão atrapalhando seus times a mais ágeis. O próximo passo é criar um plano para melhorar esses aspectos. O ideal é encaixar atividades de melhoria da arquitetura no dia-a-dia dos times. Se não for possível conciliar essas atividades com as tarefas já existentes (porque o esforço para melhorar a arquitetura é grande demais ou porque as tarefas atuais são muito prioritárias), a alternativa é criar uma iniciativa dedicada à transformação da arquitetura.
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