Vivemos em um cenário em que estar conectado deixou de ser escolha: trabalhamos, estudamos, consumimos e nos relacionamos por meio de plataformas digitais. Smartphones, aplicativos de mensagens, redes sociais, compras online e dispositivos inteligentes coletam continuamente dados que revelam hábitos de consumo, deslocamentos, preferências pessoais e até estados emocionais.
Para as empresas, esses dados são estratégicos porque permitem prever comportamentos, personalizar ofertas e criar modelos de negócio baseados em publicidade direcionada. O problema é que, enquanto esse ecossistema se torna cada vez mais lucrativo, a privacidade do usuário se torna um recurso escasso. Segundo pesquisa da Exploding Topics, 90% dos americanos afirmam se preocupar com a privacidade online, mas apenas 64% utilizam ferramentas para se proteger.
Big Tech e o modelo do surveillance capitalism
O funcionamento das big techs se apoia no chamado surveillance capitalism, conceito que descreve a coleta massiva de dados pessoais para fins comerciais. Cada clique, busca ou interação em redes sociais alimenta sistemas que criam perfis detalhados dos usuários, capazes de prever comportamentos e influenciar decisões.
Essa lógica garante conveniência e acesso a serviços gratuitos, mas esconde um custo alto: a perda da autonomia individual. Em 2025, o Google aceitou pagar US$ 1,4 bilhão em multa no Texas após acusações de rastrear usuários mesmo em navegação anônima. Já na Califórnia, onde vigora uma das legislações mais rígidas dos EUA, a California Consumer Privacy Act (CCPA), a Meta foi processada e condenada por coletar dados sensíveis de aplicativos de saúde, incluindo informações de ciclo menstrual de mulheres, usados para direcionamento de anúncios. Esse caso expõe o alcance da vigilância digital sobre aspectos íntimos da vida e reforça a importância de regulações firmes para conter práticas abusivas.
Políticas e regulação em ação
Governos e entidades reguladoras tentam responder a essa realidade, ainda que em ritmo mais lento do que a inovação. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) já vem sendo aplicada com fiscalizações e sanções, reforçadas pela atuação crescente da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Em paralelo, no cenário internacional, avançam legislações como o Digital Services Act e o AI Act na Europa, além de leis estaduais nos EUA, como a própria CCPA. Esses movimentos demonstram uma tendência global de maior rigor sobre como empresas coletam e utilizam informações pessoais.
Privacidade: direito ou privilégio?
À medida que crescem os riscos, cresce também a percepção de que a privacidade pode estar se tornando um artigo de luxo. Modelos pagos de aplicativos, navegadores e serviços que prometem maior proteção reforçam a ideia de que apenas quem pode arcar com esses custos terá acesso a um ambiente digital mais seguro. Isso cria uma fronteira ética: será que estamos dispostos a aceitar que liberdade e anonimato sejam vendidos como produtos premium?
O papel das empresas e dos indivíduos
Empresas têm responsabilidade clara nesse cenário: adotar políticas de transparência, reduzir a coleta de dados ao mínimo necessário e investir em segurança robusta. Mas os indivíduos também têm papel ativo. É necessário adotar ferramentas de proteção, entender melhor as permissões que concedemos e cobrar práticas mais éticas das organizações.
A privacidade não deveria ser um luxo, mas um direito universal. No entanto, em um mundo hiperconectado e cada vez mais dependente de dados, ela está se tornando um recurso escasso. O equilíbrio entre inovação e proteção exige um esforço conjunto de governos, empresas e cidadãos.
Só assim poderemos construir um ambiente digital em que conveniência e segurança caminhem lado a lado. O futuro da tecnologia dependerá da nossa capacidade de garantir que cada avanço respeite um princípio básico: a liberdade de escolher o que compartilhar e o direito de manter o controle sobre a própria vida digital.
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