A célebre frase de Lavoisier “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, parafraseada e moldada pelo carismático apresentador Chacrinha como “na televisão nada se cria, tudo se copia” ganhou uma nova e atualizada discussão na era da inteligência artificial generativa.
Segundo recente pesquisa envolvendo os quatros maiores modelos de IA, mostrou que o GPT-4, modelo mais utilizado atualmente, reproduziu indevidamente conteúdo protegido por direitos autorais em 44% dos testes feitos. E não foi à toa que o tema tem trazido à tona relevantes casos envolvendo o uso da ferramenta de inteligência artificial e seus reflexos jurídicos.
Na intersecção entre jornalismo e tecnologia, o gigante da comunicação Wall Street Journal reivindicou na justiça os direitos autorais de seus escritores, perante a empresa OpenAI, responsável mais famosa plataforma de inteligência artificial, o ChatGPT. O ponto central do conflito reside na alegação, por parte do jornal, de que a inteligência artificial desenvolvida pela empresa estaria reproduzindo e veiculando textos de modo a violar os direitos autorais, causando danos inclusive financeiros, decorrentes do desvio de público que consumiria o conteúdo do famoso jornal.
Apesar de não envolver uma disputa judicial, outro caso recente envolvendo a famosa ferramenta de IA e grupo de empresas de conteúdo ganhou destaque: a OpenAI firmou acordo para o uso remunerado de todo o conteúdo veiculado nas empresas do grupo NewsCorp, incluindo Wall Street Journal, New York Post, Times, Sunday Times.
O Impacto da IA Generativa na Violação de Direitos Autorais: O Que Está em Jogo
E indo além dos conteúdos em texto, vários outros casos têm sido reportados na mídia envolvendo questionamentos quanto à violação de direitos autorais: artistas e ilustradores também propuseram medidas judiciais contra as desenvolvedoras Midjourney Inc e DeviantArt Inc, responsáveis pelas plataformas DreamUp, e Stability A.I. Ltd, responsável pela plataforma Stable Diffusion, leia mais aqui.
Independentemente do meio a ser utilizado, judicial ou por acordo, ou tipo de conteúdo gerado, se texto, imagem ou som, pelo posicionamento das empresas de referência em seus mercados ficou clara a posição que está se firmando no mercado quanto aos reflexos financeiros do uso de conteúdo protegido por direitos autorais. Mas não é somente o ponto de vista da ferramenta que deve ser levando em consideração quando falamos de violação aos direitos autorais.
A legislação brasileira estabelece consequências para quem fizer uso indevido de conteúdo protegido por direitos autorais, desde a obrigação de indenizar pelos danos causados até enquadramento pelo crime de plágio pela “conduta de violar os direitos do autor e os que lhe são conexos”.
Como a própria definição de o que pode ser protegido por direitos autorais é extremamente ampla e não-exaustiva, para se identificar se houve ou não violação ao direito de autor devemos primeiro verificar se o conteúdo não pode ser objeto de proteção autoral, definidos na Lei de Direitos Autorais como:
- as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos;
- os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;
- os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;
- os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;
- as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas; os nomes e títulos isolados; e
- e o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras.
Em seguida, precisamos também afastar as limitações aos direitos autorais previstas na mesma lei, uma vez que a lei permite:
- a reprodução: (a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos; (b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza, (c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando feita pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros, (d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários; ou (e) em um só exemplar, de pequenos trechos, para uso privado de quem copia, desde que feita por este e sem intuito de lucro;
- a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;
- o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;
- a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;
- a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;
- a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;
- a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores;
- as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito e
- a representação por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais de obras situadas permanentemente em logradouros públicos.
Portanto, não são apenas as plataformas de inteligência artificial generativa, a exemplo do ChatGPT, que devem se preocupar com a potencial violação aos direitos autorais de terceiros. Todos aqueles que utilizam tais ferramentas devem atentar-se quanto à finalidade na utilização do conteúdo criado, para não correrem o risco de levarem muito mais do que uma buzinada por reproduzir conteúdo violador.