Quando falo sobre transformação digital em palestras ou reuniões corporativas, inevitavelmente o foco recai sobre Indústria 4.0, sensores IoT, automação de processos produtivos. É como se toda a conversa sobre transformação digital girasse exclusivamente em torno da fábrica, da linha de produção, da operação – o que é normal até porque temos discutido muito sobre esse tema por aqui.
Durante meus anos coordenando projetos internacionais no Oriente Médio e clientes de manufatura e utilities de energia e saneamento no Brasil, acompanhei de perto essa obsessão pela digitalização operacional. Vi empresas investindo milhões em tecnologia para suas plantas industriais, mas mesmo assim continuavam perdendo clientes para concorrentes que talvez nem tivessem as fábricas mais modernas. O que estava faltando na equação? Um olhar integrado que conectasse tecnologia, produção e negócio.
E por que tantas organizações ainda não conseguem fazer essa conexão? A resposta pode estar na forma como estruturamos nossos times de liderança.
O desafio da visão integrada
Nós criamos um viés perigoso: associar transformação digital apenas à modernização dos processos produtivos. Falamos tanto de Indústria 4.0, IoT industrial, Integração IT/OT, Redes 5G privadas e automação que esquecemos que uma organização tem muito mais camadas além da fábrica.
O grande desafio é encontrar executivos que transitem com fluência entre o chão de fábrica, a sala de servidores e a sala de reuniões com clientes. A verdadeira transformação acontece simultaneamente em três frentes distintas, e alguém precisa orquestrar essa sinfonia complexa.
A primeira é a transformação operacional – aquela que atrai as nossas conversas. Sensores, automação, analytics de produção. E com razão: ela gera resultados concretos e mensuráveis. Produzir mais com os mesmos recursos, evitar investimentos desnecessários, reduzir desperdícios, otimizar manutenções e economizar energia. Esses ganhos de eficiência operacional liberam recursos financeiros e humanos que podem ser reinvestidos estrategicamente. A Indústria 4.0 não é modismo, é necessidade competitiva. No meu post, fiz uma provocação endossando esse raciocínio:
O Brasil tem talento, infraestrutura e recursos. Só falta coragem para sair da zona de conforto e acelerar antes que seja tarde demais. Sua empresa já saiu da linha de largada ou ainda está amarrando o cadarço?
A segunda, frequentemente negligenciada mas igualmente estratégica, é a transformação do modelo de negócio. Aqui as empresas descobrem novas fontes de receita, repensam como monetizar seus ativos. Uma fabricante de compressores que passou a vender “ar comprimido como serviço”, monitorando remotamente os equipamentos e cobrando por volume consumido. Uma empresa de elevadores que migrou para contratos de disponibilidade total, usando IoT para manutenção preditiva.
A terceira, e talvez aquela que é deixada de lado com mais frequência, é a transformação da experiência do cliente. É aqui que mora o verdadeiro diferencial competitivo que tanto buscamos.
Mas existe uma quarta dimensão que permeia todas as outras: a TI Corporativa. Enquanto falamos de inovação e novos modelos, alguém precisa garantir que os sistemas ERP funcionem, que a rede seja segura, que os backups estejam rodando, que a infraestrutura de TI suporte toda essa transformação. Esta é, tradicionalmente, a atividade básica dos executivos de TI – e muitas vezes se torna uma zona de conforto e refúgio quando as outras dimensões não vão bem ou não há afinidade com elas. É a base tecnológica que sustenta tanto a fábrica inteligente quanto a experiência digital do cliente. Sem essa fundação sólida, todas as outras transformações desmoronam. Mas ficar apenas nela é desperdiçar o potencial estratégico da tecnologia.
Quando o cliente percebe o valor
Imagine uma empresa de materiais de construção que investiu pesadamente em modernização de sua planta industrial. Fábrica de ponta, rastreabilidade total, processos automatizados. Mesmo assim, continuava perdendo market share para concorrentes.
Neste cenário hipotético, a solução não viria de mais tecnologia na produção – essa parte já estaria bem resolvida. O breakthrough aconteceria quando olhassem além da fábrica e repensassem como entregar valor ao cliente final. Nesse cenário, eles criariam uma plataforma que conecta todos os atores da cadeia: fornecedores, transportadores, construtoras e até os consumidores finais dos imóveis.
Os possíveis resultados? Os clientes conseguiriam rastrear em tempo real quando seus materiais serão entregues, receberiam sugestões automatizadas de produtos complementares baseadas no projeto, suporte no controle de estoque versus demanda e teriam acesso a calculadoras inteligentes que otimizam especificações técnicas.
A fábrica permaneceria a mesma – já moderna e eficiente. Mas o valor percebido pelo cliente aumentaria exponencialmente porque finalmente olhariam além dos portões dos galpões da indústria.
A revolução dos dados como ponte
O que realmente transforma a relação com clientes não são apenas os sensores na linha de produção, mas sim como utilizamos os dados gerados para criar experiências únicas. Uma empresa que fabrica fertilizantes pode usar dados climáticos, de solo e de plantio para oferecer recomendações personalizadas via app, antecipando necessidades específicas de cada produtor rural.
Isso exige um perfil raro: alguém que entenda profundamente tanto a tecnologia quanto o processo produtivo, mas que também seja capaz de traduzir tudo isso em valor percebido pelo cliente final – sem nunca perder de vista que a infraestrutura de TI precisa ser robusta e segura para sustentar toda essa inovação. É transformação digital real: quando a tecnologia sai da fábrica e vai para a mesa de decisão do cliente, criando valor que antes não existia, mas sempre com a tranquilidade de que os sistemas críticos estão funcionando 24/7.
O Futuro Já Começou
As empresas que entenderam isso já saíram na frente e têm colhido ótimos resultados. Não são necessariamente as que têm as fábricas mais automatizadas, mas as que conseguiram expandir sua visão de transformação digital para além dos muros da produção, criando valor em todo o ciclo de relacionamento com o cliente. E por trás dessas transformações bem-sucedidas, invariavelmente encontramos líderes que conseguem navegar com expertise tanto no universo tecnológico quanto no mundo dos negócios.
A questão não é escolher entre Indústria 4.0, experiência do cliente ou TI Corporativa – todas são fundamentais e interdependentes. A Indústria 4.0 garante eficiência operacional. A transformação da experiência do cliente garante diferenciação e crescimento. A TI Corporativa garante continuidade e segurança digital do negócio. Mas todas precisam de alguém que entenda o big picture, que consiga conectar os pontos entre produção, negócios e infraestrutura tecnológica – um executivo que não largue nenhuma das pontas.
A pergunta que fica é: sua empresa tem executivos que conseguem equilibrar esses três pilares da transformação digital, transitando entre fábrica, TI corporativa e experiência do cliente com a mesma fluência?
Porque, no final das contas, uma operação eficiente e clientes encantados não servem de nada se os sistemas críticos caírem na Black Friday, ou se um ataque cibernético comprometer toda a operação. É preciso alguém que saiba inovar sem perder o controle da base tecnológica que sustenta tudo.
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