Este artigo explora a resistência das empresas na implementação de Planos de Continuidade de Negócios (PCN), analisando a influência de vieses psicológicos na tomada de decisão gerencial. Busca-se identificar como a percepção de risco e a aversão a cenários negativos contribuem para a negligência na adoção de estratégias de resiliência empresarial. Interligar os conceitos de PCN e vieses cognitivos, oferecendo uma compreensão dos desafios psicológicos que impedem a preparação eficaz para crises.
A imprevisibilidade é uma constante no ambiente de negócios contemporâneo. Eventos disruptivos, que variam desde desastres naturais e crises econômicas até ataques cibernéticos e pandemias, podem comprometer severamente as operações de uma empresa e, em casos extremos, ameaçar sua própria existência.
Diante desse cenário, a elaboração e implementação de um Plano de Continuidade de Negócios (PCN) emerge como uma estratégia fundamental para garantir a resiliência e a sustentabilidade organizacional. No entanto, apesar da reconhecida importância dos PCNs, muitas empresas ainda relutam em investir tempo e recursos em sua criação e manutenção, ou fazendo de forma superficial e imprecisa. Essa resistência, muitas vezes, não se deve somente à falta de compreensão sobre os benefícios de um PCN, mas sim também a complexos fatores psicológicos que influenciam a tomada de decisão gerencial.
Planos de continuidade de negócios (PCN): conceito e importância
O PCN é um conjunto de estratégias e procedimentos desenvolvidos para assegurar que uma organização possa manter suas operações essenciais e retomar suas atividades críticas após a ocorrência de um incidente disruptivo. Mais do que um simples plano de recuperação de desastres, o PCN é um guia abrangente que visa minimizar o impacto de eventos inesperados, garantindo a resiliência e a sustentabilidade da empresa.
A importância do PCN reside em sua capacidade de antecipar e mitigar riscos financeiros, operacionais e reputacionais. Ao identificar ameaças potenciais e estabelecer protocolos claros para a recuperação de sistemas, recursos humanos e infraestrutura, as empresas se tornam mais preparadas para lidar com crises, reduzir o tempo de inatividade e preservar a confiança de clientes, fornecedores e investidores. Além disso, a implementação de um PCN contribui para a conformidade regulatória e fortalece os princípios de governança corporativa, demonstrando responsabilidade e transparência na gestão de riscos.
A elaboração de um PCN eficaz envolve diversas etapas, incluindo a avaliação abrangente de riscos e impactos, o mapeamento de processos críticos, o investimento em um plano de comunicação robusto e a realização de testes e simulações periódicas para validar e aprimorar o plano.
Vieses psicológicos na tomada de decisão e gestão de riscos
A tomada de decisão, especialmente em contextos de risco e incerteza, é frequentemente influenciada por fatores que transcendem a racionalidade pura. A psicologia comportamental, com destaque para os trabalhos de Daniel Kahneman, laureado com o Prêmio Nobel de Economia, demonstra que as decisões humanas são moldadas por processos intuitivos e automáticos, resultando em julgamentos imprecisos conhecidos como vieses cognitivos.
A resistência das empresas em desenvolver e implementar PCN, pode ser amplamente explicada pela influência dos vieses psicológicos na tomada de decisão gerencial. A aversão natural do ser humano a pensar em situações de risco e finitude, reflete-se diretamente no ambiente corporativo, onde a proatividade na gestão de crises é muitas vezes negligenciada em favor de uma percepção otimista e, por vezes, irrealista do futuro.
O viés de excesso de confiança é particularmente relevante nesse contexto. Gestores podem superestimar a capacidade da empresa de reagir a imprevistos sem um plano formal, acreditando que a experiência e a adaptabilidade da equipe serão suficientes para superar qualquer desafio. Essa superestimação leva a uma subestimação do tempo e dos recursos necessários para a elaboração e manutenção de um PCN, resultando em procrastinação e falta de investimento adequado.
O viés de disponibilidade ou ancoragem também desempenha papel fundamental. Se a empresa não vivenciou recentemente uma crise significativa, a percepção de risco diminui, e a urgência em implementar um PCN é reduzida. A memória de eventos passados, mesmo que catastróficos para outras organizações, pode não ser suficiente para motivar a ação se não houver uma experiência direta e recente que reforce a necessidade de preparação.
A aversão à perda contribui para a relutância em investir em PCNs. Os custos associados à elaboração, treinamento e manutenção de um plano são tangíveis e imediatos, enquanto os benefícios (evitar uma crise futura) são incertos e de longo prazo. A percepção de que esses investimentos representam uma ‘perda’ de recursos que poderiam ser alocados em áreas com retornos mais visíveis e imediatos, como expansão de mercado ou desenvolvimento de produtos, desestimula a priorização do PCN.
Além disso, o viés de confirmação pode levar os gestores a buscar e interpretar informações que reforcem a ideia de que um PCN não é uma prioridade ou que os riscos são gerenciáveis sem um plano formal. Relatórios que minimizam a probabilidade de eventos disruptivos ou que destacam a resiliência da empresa em situações passadas podem ser supervalorizados, enquanto alertas e estudos que apontam para a necessidade de um PCN são desconsiderados.
Em empresas onde os sistemas de informação são vistos apenas como suporte e não como meio principal de produção, a dificuldade em enxergar esses sistemas como vitais para a sobrevivência da empresa é um exemplo claro de como os vieses podem obscurecer a percepção de risco. A falta de um entendimento holístico da interdependência entre os diferentes componentes do negócio impede uma avaliação precisa do impacto de uma falha em sistemas críticos, reforçando a resistência à implementação de um PCN abrangente.
Em suma, a resistência à implementação de PCNs não é meramente uma questão de falta de conhecimento ou recursos, mas sim um fenômeno complexo enraizado em vieses psicológicos que distorcem a percepção de risco, a avaliação de custos e benefícios, e a urgência na tomada de decisões preventivas. Superar essa resistência exige não apenas a conscientização sobre a importância dos PCNs, mas também o reconhecimento e a mitigação desses vieses no processo decisório.
Deixo aqui algumas referencias de livros que se aprofundam no tema de vieses comportamentais em risco:
- “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar” (Thinking, Fast and Slow) por Daniel Kahneman: Este livro é para entender os vieses cognitivos, incluindo o viés de confirmação, e como eles afetam a tomada de decisões. Embora não seja exclusivamente sobre análise de risco, os princípios são amplamente aplicáveis.
- “Fooled by Randomness” e “The Black Swan” por Nassim Nicholas Taleb: Esses livros exploram como as pessoas lidam com a incerteza e eventos improváveis, e como o viés de confirmação pode levar a uma superestimação da previsibilidade e uma subestimação do risco.
- “Explaining the Evidence” por David A. Lagnado (Capítulo 8: Confirmation Bias): Este capítulo específico se aprofunda no viés de confirmação, argumentando que ele abrange várias estratégias, algumas razoáveis e outras que são vieses genuínos. Discute como erros na interpretação de evidências podem distorcer o processo de avaliação.
- “Confirmation Bias: A Guide to Recognizing and Overcoming Our Tendency to Seek Out Confirming Evidence” por Brian Payne: Este guia oferece estratégias práticas para identificar e mitigar os efeitos do viés de confirmação na tomada de decisões e na resolução de problemas.
A elaboração e implementação de um PCN são imperativos para a sobrevivência e resiliência das empresas em um cenário global cada vez mais volátil e incerto. No entanto, a resistência observada na adoção desses planos não pode ser atribuída apenas à falta de recursos ou conhecimento técnico. Conforme demonstrado, vieses psicológicos inerentes à cognição humana e à dinâmica organizacional desempenham um papel significativo nessa relutância. Para superar essa resistência, é fundamental que as organizações não apenas reconheçam a importância estratégica dos PCNs, mas também desenvolvam mecanismos para identificar e mitigar a influência desses vieses.
A adoção de frameworks reconhecidos internacionalmente, como a ISO 22301 para Sistemas de Gestão de Continuidade de Negócios (SGCN), pode ser um caminho eficaz. A ISO 22301 oferece uma estrutura robusta que auxilia as empresas a planejar, implementar e manter um SGCN, promovendo uma abordagem sistemática e proativa à gestão de riscos e à continuidade das operações. A certificação nessa norma não apenas demonstra o compromisso da empresa com as melhores práticas, mas também pode ajudar a superar a inércia e os vieses, ao fornecer um roteiro claro e validado para a construção da resiliência.
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