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sábado, abril 26, 2025
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As Redes Privativas e o cenário brasileiro

De acordo com o recente relatório da consultoria Teleco intitulado “Redes Privativas 4G e 5G no Brasil”, a adoção dessas redes cresceu significativamente em 2024 com um aumento de 66% no número de redes anunciadas publicamente, com destaque aos setores de Indústria, Agronegócio, Energia, Óleo e Gás e Mineração.

Seguindo na mesma tendência, a Global Mobile Suppliers Association (GSA) contabilizou até o final de 2024, 1.603 empresas ou entidades governamentais no mundo que tenham implementado pelo menos uma rede privativa, representando um crescimento aproximado de 13% no ano.

Esse percentual pode ser subestimado, pois uma grande parte das redes pertencentes a setores como militar, defesa, marítimo e usinas de energia não é divulgada publicamente, assim como milhares de redes que utilizam a tecnologia de “network slicing” na China, indicando que o mercado real é provavelmente muito mais amplo do que os dados sugerem. 

Características das Redes Privativas

As redes privativas 4G e 5G são soluções de conectividade desenvolvidas para atender demandas específicas de empresas e organizações que buscam modernizar seus processos e aprimorar a eficiência operacional. A atratividade por essas redes decorre da capacidade de proporcionar um ambiente seguro e controlado, onde apenas dispositivos, usuários e sistemas autorizados têm acesso, garantindo comunicações altamente confiáveis e de alto desempenho.

Diferente das redes públicas, que são abertas a diversos usuários sob controle de provedores, as redes privativas oferecem um nível superior de segurança, controle e desempenho, sendo especialmente adequadas para aplicações críticas que exigem processamento intensivo de dados, baixa latência e alta disponibilidade. Ao oferecer uma infraestrutura robusta e personalizada, essas redes se tornam essenciais para suportar a transformação digital nas mais diversas verticais. 

Tecnologias Envolvidas: 4G vs 5G

A tecnologia 4G se consolidou mundialmente como a principal tecnologia para comunicação móvel. Ainda de acordo com a GSA, 52,3% das redes foram construídas em 4G (LTE) enquanto 25,2% em 5G e 20,8% utilizando ambas as tecnologias. Contudo, sua utilização em ambientes industriais apresenta limitações pois não foi desenvolvida com o objetivo de fornecer garantias rígidas de SLA (Service Level Agreement).

Por outro lado, o 5G foi projetado para atender a uma ampla gama de necessidades industriais e comerciais, oferecendo níveis superiores de segurança, disponibilidade e eficiência no desempenho, estruturado em três pilares fundamentais de casos de uso: o Enhanced Mobile Broadband (eMBB) com taxas de download maiores, o Ultra-Reliable and Low Latency Communications (URLLC) que se apresenta ideal para aplicações críticas como controle remoto de equipamentos industriais, automação avançada e veículos autônomos, e o Massive Machine Type Communications (mMTC) voltado para a conexão massiva e simultânea de dispositivos IoT, vital para cidades inteligentes, monitoramento ambiental e sistemas industriais complexos. 

Apesar da menor adequação para aplicações que exigem desempenho garantido e previsível, a tecnologia 4G continua sendo uma alternativa válida para aplicações que exigem conectividade estável e confiável, enquanto o 5G se destaca por sua flexibilidade, desempenho aprimorado e capacidade de suportar aplicações críticas com baixa latência e alta disponibilidade, preferida para aplicações que exigem resposta em tempo real e alto desempenho em processamento de dados. Não é raro encontrar cenários híbridos com ambas as tecnologias habilitadas para atender de forma otimizada às demandas mais variadas uma vez que a escolha entre redes privativas 4G e 5G depende dos requisitos específicos de cada aplicação. 

Em geral as redes são construídas em 2 cenários: autônomo, que faz uso de frequências licenciadas pela ANATEL especificamente para uma organização e infraestrutura notadamente própria e redes privativas fornecidas por operadoras móveis, que compartilham a infraestrutura existente. Nesse contexto, o uso do conceito de “network slicing” permite que diversos serviços coexistam na mesma infraestrutura física, cada um configurado para oferecer características específicas de desempenho, segurança e latência.

Regulamentação no Brasil

A regulamentação para redes privativas no Brasil é um tema central para sua adoção. A autorização de uso de radiofrequências é fundamental para implantar uma rede privativa autônoma. Essas redes operam sob o Serviço Limitado Privado (SLP), regulamentado pela Resolução nº 617, de 19 de junho de 2013.

As frequências destinadas ao Serviço Limitado Privado variam de acordo com a regulamentação vigente, incluindo bandas como 148 MHz – 174 MHz, 410 MHz – 425 MHz, 2.390 MHz – 2.400 MHz, 3.700 MHz – 3.800 MHz, e 27.500 MHz – 27.900 MHz. O uso dessas faixas é regulado por atos específicos da Anatel, como o Ato nº 915 de 2024, que consolidou os requisitos técnicos e operacionais para o uso destas frequências. Já nos casos de redes fornecidas pelas operadoras móveis são utilizadas as frequências e a infraestrutura pública já existente da operadora móvel.

O ecossistema de fornecedores abrange operadoras móveis, fabricantes de equipamentos, integradores de rede e empresas de tecnologia. De forma geral, os integradores de rede são aqueles que se concentram principalmente na implementação e integração das infraestruturas, responsáveis por realizar a integração completa dos casos de uso, o que inclui desde o tratamento de dados até a aplicação de novas tecnologias e processos operacionais. 

Aplicações por Setor

O uso de redes privativas é visto como essencial para diversos setores como a indústria, agronegócio, energia, óleo e gás, mineração e logística devido a sua vocação em prover a infraestrutura de conectividade da transformação digital. Cada segmento de mercado encontra nessas redes uma solução customizada para atender suas necessidades específicas, como automação industrial, conectividade em áreas remotas, controle de dispositivos IoT, transmissão de dados em tempo real e segurança aprimorada.

Na indústria, por exemplo, essas redes permitem a criação de “fábricas inteligentes” dentro do conceito de Indústria 4.0, onde a conectividade aprimorada possibilita a coleta e análise de dados de máquinas, robôs e dispositivos conectados. No agronegócio, as redes privativas oferecem conectividade em áreas rurais onde a infraestrutura tradicional é limitada, facilitando a coleta de dados em tempo real e a automação para aumentar a produtividade e minimizar a dependência de mão-de-obra.

No setor elétrico, as redes privativas viabilizam o conceito de “smart grids”, com destaque para a detecção automática de falhas em redes de distribuição de energia, que requer comunicação rápida e confiável entre dispositivos inteligentes para garantir a continuidade da operação. O setor de óleo e gás utiliza essas redes para integrar milhares de dispositivos IoT espalhados por áreas amplas e remotas, permitindo operações mais eficientes e seguras.

Na mineração, as redes privativas são implementadas para garantir a comunicação em locais remotos, automatizar operações perigosas e reduzir a exposição de trabalhadores a ambientes arriscados. A tecnologia 5G é especialmente útil em minas subterrâneas devido à sua alta velocidade de upload e robustez, substituindo até mesmo redes de fibra em alguns casos. Na logística, redes privativas são implantadas em portos, aeroportos e ferrovias para melhorar a conectividade e segurança, centralizar operações e permitir a automação de processos críticos, como o controle remoto de guindastes em portos.

No setor de saúde, oferecem comunicação eficiente para monitoramento remoto e respostas emergenciais. Governos e instituições de ensino também podem se beneficiar dessas redes por meio de projetos de cidades inteligentes e iniciativas de segurança pública. Na mídia, redes temporárias para eventos ao vivo se tornam uma aplicação prática e inovadora. 

Tendências para 2025

Olhando adiante, o portal Tele.Síntese convidou executivos de diversas empresas para compartilharem suas visões sobre quais tecnologias serão destaque em 2025. A coleta dessas opiniões teve como objetivo identificar as tendências mais promissoras. Como era esperado, as redes privativas e outras tecnologias associadas ao 5G se mostraram atraentes, especialmente para o avanço tecnológico de setores críticos em áreas como agronegócio, utilities, óleo e gás, mineração e logística, onde a conectividade dedicada e robusta é indispensável para garantir eficiência operacional e segurança.

De acordo com Paulo Bernardocki (Ericsson), o crescimento dessas redes é impulsionado principalmente pela aplicação avançada de visão computacional e inteligência artificial, viabilizadas pela tecnologia 5G. Ele destaca o conceito de “network slicing” como uma ferramenta fundamental para personalizar serviços e atender aplicações específicas, garantindo o desempenho necessário para cada caso.

Carlos Roseiro (Huawei) reforça que o 5G é uma força motriz importante no segmento B2B, especialmente em redes móveis privativas que demandam alta performance para aplicações críticas. Embora o LTE ainda tenha relevância em áreas que exigem ampla cobertura geográfica, o 5G se destaca por oferecer conectividade personalizada e robusta, capaz de atender as demandas específicas de indústrias e operações logísticas complexas. Elmo Matos (Vivo) ressalta que o 5G é a base tecnológica essencial para operações mais eficientes e inteligentes em setores como óleo e gás, mineração e agronegócio.

Ele menciona que a conectividade avançada proporcionada por redes privativas permite automação e monitoramento remoto de operações críticas, servindo como uma plataforma indispensável para modernização e aprimoramento da eficiência desses setores. A aplicação de Inteligência Artificial na gestão de redes privativas é apontada por Paulo Curado (CPqD) como uma tendência que deve ganhar ainda mais relevância nos próximos anos.

Na visão de Carlos Gramajo (Nokia), as APIs de rede são fundamentais para liberar todo o potencial do 5G em redes privativas, possibilitando o desenvolvimento de funcionalidades avançadas e serviços personalizados. Ele destaca aplicações como Qualidade sob Demanda (QoD) e soluções antifraude, demonstrando a importância das APIs para assegurar conectividade confiável e segura em cenários críticos que exigem respostas rápidas e alta confiabilidade.

Rodrigo Rescia (Vero) aponta que a combinação de “network slicing”, Inteligência Artificial e Edge Computing é essencial para enfrentar desafios relacionados à conectividade e infraestrutura em redes privativas. Essa integração tecnológica é vista como uma solução robusta e personalizada para atender às demandas específicas de diversos setores industriais. 

Essas previsões indicam que as redes privativas devem se consolidar como uma solução cada vez mais relevante, impulsionada por demandas crescentes de setores industriais e pela necessidade de conectividade personalizada e segura. As empresas que buscarem adotar essas redes deverão estar atentas às regulamentações vigentes e às parcerias estratégicas para alcançar sucesso na implementação e operação dessas soluções avançadas. 

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Fábio Pinho
Fábio Pinho
Fábio Mendes de Pinho é Engenheiro de Telecomunicações e Doutorando em Ciência e Tecnologia da Informação. Com 15 anos de experiência em consultoria técnica e 10 anos atuando na área comercial, construiu sua carreira em empresas líderes dos setores de TI e Telecom.É especialista na condução de iniciativas de transformação digital e projetos de infraestrutura de redes móveis e fixas.
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