Quando o Itaú Unibanco anunciou a demissão de cerca de mil colaboradores em home office ou em regime híbrido, alegando incompatibilidades entre o registro de jornada e o real uso de sistemas corporativos, o episódio serviu para escancarar uma tensão contemporânea: como equilibrar a necessidade de monitoramento e controle laboral com o respeito à autonomia, à privacidade e à confiança?
Esse dilema não se restringe ao maior banco da América Latina. Ele toca em debates universais sobre até onde vai o poder das empresas em monitorar seus funcionários e quais modelos de gestão são mais eficazes no longo prazo.
Índice
Monitoramento legal: entre direitos e deveres
A legislação brasileira é clara: o empregador tem o direito de controlar a jornada e exigir produtividade. Mas esse direito não é absoluto. A Constituição protege a intimidade e a vida privada, enquanto a LGPD estabelece princípios como finalidade, necessidade e proporcionalidade no uso de dados pessoais.
Portanto, monitorar pode ser legítimo, mas precisa ser transparente, comunicado previamente, limitado ao necessário e sustentado em políticas internas claras. Do contrário, abre-se espaço para litígios trabalhistas e danos reputacionais.
O papel da tecnologia: aliada ou ameaça
Ferramentas como Teramind, Monitask ou WebWork Time Tracker oferecem recursos avançados de supervisão remota do rastreamento de tempo ao registro de uso de aplicativos. Mas, como em qualquer tecnologia, o efeito depende da forma de uso.
Se adotadas como instrumentos de diálogo e melhoria, podem apoiar a gestão. Se usadas como única métrica de desempenho, sem feedbacks prévios ou transparência, transformam-se em mecanismos de vigilância que corroem a confiança e aumentam o estresse organizacional.
O impacto humano de desligamentos baseados em monitoramento
Demissões já carregam um peso emocional significativo. Quando justificadas apenas por dados de “inatividade”, sem clareza nos critérios ou oportunidades de correção, a sensação de arbitrariedade é inevitável.
Boas práticas como comunicar de forma clara, dar feedbacks prévios, respeitar a dignidade e oferecer suporte na transição não apenas reduzem riscos jurídicos, mas também preservam a imagem institucional diante do mercado e, sobretudo, a confiança dos que permanecem.
Microgerenciamento vs resultados: o que dizem as pesquisas
O cerne da discussão vai além das ferramentas: trata-se de como as empresas escolhem gerir pessoas. O microgerenciamento acompanhar cada clique, cada minuto de atividade promete controle, mas tende a gerar ambientes de desconfiança e ansiedade. Já a gestão orientada a entregas e resultados aposta na autonomia e na responsabilidade do colaborador, promovendo engajamento.
Essa não é apenas uma percepção de mercado. Pesquisas científicas reforçam os efeitos distintos desses modelos:
• “Autonomy Raises Productivity: An Experiment Measuring Neurophysiology” – publicado no Journal of Neuroscience, Psychology, and Economics. • “A Study on the Positive and Negative Effects of Different Supervisor Monitoring in Remote Workplaces” – disponível em Frontiers in Psychology. • “A Systematic Literature Review to Explore the Antecedents of Employee Engagement Among Remote Workers” – publicado na Journal of Work Applied Management (Emerald Insight).
• “Remote, Hybrid, and On-Site Work during the SARS-CoV-2 Pandemic and the Consequences for Stress and Work Engagement” – divulgado no International Journal of Environmental Research and Public Health (MDPI).
Todas apontam, em maior ou menor medida, que a autonomia, o suporte e o foco em entregas estão mais associados ao engajamento sustentável do que a vigilância eletrônica rígida.
Confiança como ativo estratégico
O caso do Itaú funciona como alerta. Monitorar é possível e pode ser necessário, mas não pode ser confundido com substituir gestão por vigilância. Organizações que tratam produtividade como “tempo ativo de tela” correm o risco de punir injustamente colaboradores engajados e de corroer sua própria cultura.
A ciência e a prática mostram que metas claras, autonomia e liderança presente produzem resultados mais sólidos que o microgerenciamento. No fim, a questão não é apenas “como medir produtividade”, mas como criar ambientes em que as pessoas queiram produzir. E é nessa resposta que reside o futuro do trabalho remoto.
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