A inteligência artificial generativa (GenAI) está sendo integrada de forma cada vez mais recorrente aos fluxos de operação de empresas de telecomunicações. Seja na automação de atendimento, na geração de comandos para sistemas de rede, na redação de relatórios ou até na resposta a eventos operacionais, a tecnologia já faz parte da rotina de provedores e operadoras regionais. No entanto, o fato de a GenAI operar com base em inferência e padrões, e não em lógica determinística, muda as regras do jogo.
Diferente de uma automação tradicional, que segue scripts rígidos e comportamentos predefinidos, a GenAI pode sugerir soluções inesperadas, improvisar comandos e, em alguns casos, cometer erros com alto grau de confiança. Em uma infraestrutura crítica como a de telecom, isso pode significar perda de conectividade, exposição de dados confidenciais, violação de obrigações legais e prejuízo direto à reputação da empresa. Por isso, adotar GenAI sem uma estrutura clara de avaliação de riscos representa uma vulnerabilidade estratégica.
Um framework aplicado ao ambiente real de telecomunicações
Este framework foi desenvolvido para ser aplicado por profissionais de segurança da informação, engenheiros de rede, gestores de infraestrutura, equipes de NOC e SOC, e responsáveis por compliance. Ele é objetivo, aplicável e pensado para ambientes reais de telecomunicações, onde performance, segurança e conformidade precisam coexistir com inovação e automação inteligente.
Etapa 1: Mapeamento e escopo real de uso
A primeira etapa do framework consiste em mapear com precisão onde e como a GenAI está sendo utilizada. Isso inclui identificar as áreas que usam a tecnologia como suporte técnico, atendimento ao cliente, redes, engenharia, operações ou marketing e compreender se a atuação da IA é assistiva, oferecendo sugestões, ou executora, realizando ações diretamente. Também é essencial verificar em que tipo de ambiente a IA está inserida, como produção, homologação ou laboratório, e se existe algum uso não oficial da tecnologia por parte de colaboradores ou áreas sem aprovação formal, o que caracteriza a chamada shadow AI.
Esse levantamento oferece uma visão concreta da superfície de exposição e da complexidade operacional, sendo indispensável para definir as prioridades de mitigação e controle.
Etapa 2: Classificação de dados e integridade dos prompts
Na sequência, é preciso classificar os dados que estão sendo processados pela IA e garantir a integridade das interações, especialmente os prompts. Essa análise deve considerar se os dados utilizados envolvem informações pessoais de clientes, como IPs, nomes ou endereços, além de dados contratuais, logs operacionais, configurações de rede, métricas de consumo ou outros elementos regulados pela LGPD ou por obrigações com a Anatel. Também é importante verificar se a IA opera em ambiente local ou se os dados são transmitidos para modelos hospedados externamente, via API, o que pode comprometer a segurança jurídica e técnica do processo.
Qualquer inserção de dados brutos, logs não tratados ou informações confidenciais em prompts sem anonimização representa uma ameaça direta à conformidade. Essa etapa garante que a GenAI não esteja sendo alimentada com informações que comprometam o sigilo técnico, o direito à privacidade ou a integridade da rede.
Etapa 3: Análise de impacto técnico, regulatório e reputacional
Com os dados e os usos mapeados, a etapa seguinte é avaliar o impacto potencial da GenAI sob três dimensões: técnica, regulatória e reputacional. Do ponto de vista técnico, é fundamental entender se a IA pode interagir com componentes sensíveis como BGP, NAT, VLANs, DNS, DHCP, sistemas de autenticação ou políticas de roteamento.
No aspecto regulatório, é necessário avaliar se existe risco de exposição de dados pessoais, quebra de sigilo, uso não autorizado de informações protegidas ou descumprimento de obrigações contratuais. Já no campo reputacional, é preciso analisar o efeito de uma resposta incorreta, um comando indevido ou uma falha de atendimento gerada por IA na confiança do cliente, especialmente em contratos estratégicos com empresas ou órgãos públicos.
Essa análise permite construir uma matriz de risco coerente, que direciona quais usos demandam controle imediato, validação obrigatória ou isolamento completo da IA.
Etapa 4: Implantação de controles técnicos e operacionais
A quarta etapa envolve a aplicação dos controles técnicos e operacionais necessários para garantir que o uso da GenAI ocorra dentro de parâmetros aceitáveis de risco. Isso começa com a definição de limites operacionais claros, que determinam o que a IA pode ler, sugerir, acessar ou executar.
Em seguida, é essencial implementar sistemas de log e trilhas de auditoria que registrem todas as interações com a IA, incluindo quem solicitou a ação, o conteúdo do prompt, a resposta gerada, o tempo de execução e a eventual ação técnica decorrente. Também devem ser definidos processos de validação obrigatória, principalmente em fluxos críticos como reconfiguração de rede, atualização de sistemas ou atendimento técnico a clientes de alto impacto.
O uso de ambientes segregados para testes e validações com GenAI ajuda a evitar que interações inseguras alcancem sistemas de produção. A integração com ferramentas como SIEMs, gateways de dados sensíveis e plataformas de resposta automatizada fortalece a proteção, mantendo a automação sob vigilância.
Etapa 5: Monitoramento contínuo e integração com DevSecOps
Por fim, o framework propõe uma etapa de monitoramento contínuo e melhoria progressiva. Como a GenAI aprende e evolui com o uso, ela exige auditoria recorrente e ajustes operacionais frequentes. Isso envolve revisar periodicamente os logs de interação, monitorar as respostas geradas, simular ataques via engenharia de prompt, registrar incidentes relacionados à IA e integrar esses dados ao ciclo de DevSecOps.
É necessário documentar aprendizados, revisar limites e ajustar permissões conforme a maturidade da operação avança. O objetivo é que o uso da GenAI não seja um processo estático, mas uma prática viva, controlada e adaptável aos riscos emergentes.
Método, controle e inteligência aplicada
Esse framework não busca impedir a adoção da GenAI, mas garantir que ela seja aplicada com consciência técnica, governança real e atenção às particularidades da infraestrutura de telecom. A tecnologia tem um papel crescente na automação, análise e resposta em tempo real, mas isso só é sustentável quando operado dentro de uma estrutura que prioriza segurança, privacidade e continuidade. Em redes de missão crítica, onde qualquer falha impacta milhares de usuários, a GenAI precisa operar com disciplina. Com método, visibilidade e responsabilidade, é possível transformar risco em vantagem competitiva.
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