Vivemos um momento QUENTE. No clima, na economia, na (geo)política, na tecnologia. E acredito que, como eu, muitos estejam sentindo um misto de confusão, ansiedade, desconforto, que afeta nossa saúde mental e segurança psicológica. Os mundos VUCA e BANI estão no passado, a realidade é absolutamente caótica e desafiadora. Estamos vivendo a era da transformação digital.
Quis explorar esse sentimento neste primeiro artigo que tenho o privilégio de escrever para o Portal Itshow com a expectativa de que outras vozes também se sintam à vontade para comentar, discutir ou compartilhar suas percepções, e encontremos em nossa comunidade caminhos, orientações, conhecimento e também acolhimento, outra palavra tão presente no vocabulário corporativo atual.
Acolhimento e segurança psicológica parecem buzzwords, que já vimos antes e que vão e vêm. Tenho a impressão de que a pandemia do COVID-19, somada ao movimento mais antigo e amplo de transformação digital, nos expuseram intensa e definitivamente, e estes temas realmente exigem reflexões muito profundas.
Em conversas com colegas de TI, tenho percebido como essa transformação (simultânea) cultural e tecnológica afeta lideranças, times e a nós mesmos, uma vez que não há respostas precisas e seguras para uma boa parte das perguntas que recebemos, uma situação que a nossa geração de liderança foi pouco preparada para lidar.
Para ser um pouco mais concreto, vivemos hoje um terremoto em muitos paradigmas da tecnologia. Custos crescendo (câmbio, taxa de juros, inflação, regulações), big techs enxugando seus quadros, startups encolhendo ou até mesmo quebrando, e pressões enormes em cadeias logísticas, enquanto tentamos lidar com o “novo” balanço do trabalho híbrido, retorno aos escritórios, entre tantos desafios.
Adicionemos a isso a aurora do LLM (Large Language Models), a democratização da tecnologia (Low/No-code, RPA), dando mais corpo ao Shadow IT (que é parte legítimo do impulso para a Transformação Digital). Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas.
Nossos times esperam respostas sobre suas carreiras: o que aprender e o que fazer para alcançar uma promoção. Nossos parceiros criam expectativas sobre conceitos ou soluções, e têm absoluta certeza que podemos fazer mais rápido e mais barato do que estimamos. Todos querem respostas que apontem o caminho mais FÁCIL.
Minha hipótese é de que há uma confusão entre SIMPLES e FÁCIL. Fazer o SIMPLES neste ambiente de alta complexidade requer extensa preparação, treino e muito alinhamento, e isso é qualquer coisa, menos FÁCIL.
Nossa formação profissional nos ensinou que nesses momentos de grande incerteza, o certo é voltar a fazer o “básico bem feito”. Ouvimos e dizemos muitas vezes: “Não inventa, é simples…”. Então, por que estamos enfrentando tantos desafios?
Nosso impulso tende a ser SUPER simplificar a complexidade dessa realidade, usando nossa “caixinha de ferramentas”. Dividir o problema, atribuir responsabilidades claras, alinhar objetivos e metas individualmente, reforçar controles (e burocracias), para deixar claro o QUÊ precisa ser feito por QUEM. Mas a complexidade do cenário atual não nos permite sermos tão assertivos, e vamos gerando mais entropia.
No esporte, manter 2 linhas de 5 jogadores no futebol parece FÁCIL, mas depende da equipe entender o plano de jogo, não deixar espaços entre os jogadores, adaptar-se às condições e adversários, a partir de uma filosofia.
Em TI, entendo que hoje, mais do que nunca, faz sentido atividades de operação, transformação, segurança e arquitetura jogarem de maneira alinhada, e a maneira de promover esses alinhamentos é através de VALORES declarados e comunicados pela liderança, que cruzem intencionalmente as competências de TI.
Richard Barret, em seu livro “A organização dirigida por valores”, propõe os VALORES como bússolas que podem orientar os diversos times na direção da mudança, quando alinhados com os valores e propósito corporativos, e aos valores dos indivíduos. Recomendo a leitura.
Em minha mais recente atuação como CIO, criamos e declararmos, como liderança de TI, uma lista de quatro valores, para que qualquer colaborador da equipe, recém-chegado ou com anos de experiência, analista ou líder, se sentisse mais confortável para basear seu comportamento e tomar decisões, sentindo-se efetivamente um porta voz “empoderado” da TI.
- INCLUSÃO: criamos segurança sem construir muralhas;
- RESILIÊNCIA: aproveitamos o Sol ao máximo, mas estamos prontos para a tempestade.
- TRANSPARÊNCIA: clareza sobre méritos e vulnerabilidades criam a confiança;
- CURIOSIDADE: exploramos novos caminhos com passos firmes e decididos
Aterrissando e ilustrando o conceito, sugerimos que devemos evitar soluções de segurança que inviabilizem a integração com parceiros e colaboradores para gerar INCLUSÃO, devemos ajustar processos de gestão de demanda para que ofereçam mecanismos de experimentação para estimular a CURIOSIDADE, devemos estabelecer desde o desenho mecanismos de alocação de custos (cloud, licenças, entre outros) para favorecer a TRANSPARÊNCIA, ou termos mecanismos de fall back ou workaround para algoritmos de IA que otimizam processos mission critical, criando RESILIÊNCIA.
Se você estiver agindo de acordo com os valores, suas ações e comportamentos estarão alinhados com a liderança, que também deve agir e decidir em linha com esses valores. Esse “walk the talk” favorece a segurança psicológica e viabiliza a autonomia.
Não pretendo de maneira alguma ser exaustivo. Cada organização ou equipe deve ter liberdade de declarar e interpretar seus valores para favorecer a coesão e o alinhamento, de acordo com a sua cultura e realidade. Nos próximos artigos, podemos discutir os VALORES mais detalhadamente. Convido você a definir a sua lista, e deixo esta como referência ou acelerador. Mas não existe certo ou errado, existem alternativas – mais ou menos – adequadas para você, sua organização e seu momento.
E quanto a orçamentos e prazos? Sugiro resistir à tentação de declará-los nos valores, tanto pela sua dinâmica, que varia com muita frequência, quanto pela atração que geram. Naturalmente esses fatores devem fazer e farão parte de qualquer decisão. Os valores devem ter a capacidade de responder à pergunta “se seguir por esse caminho, aumento as chances de sucesso e aderência aos valores? Então me sinto seguro”.
Para os líderes de TI, os valores oferecem uma ferramenta poderosa para interagir com os demais stakeholders, ajudando a qualificar SIMs e NÃOs, reforçando PORQUÊs. Assim, podemos viabilizar flexibilidade, autonomia e alinhamento, para que cada elemento da equipe possa navegar nesta realidade COMPLEXA e procurar continuamente o desafiador e trabalhoso SIMPLES.