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domingo, novembro 3, 2024
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A Evolução da Segurança da Informação e a Nova Fronteira da Privacidade Neural

Nos últimos anos, a segurança da informação e a proteção de dados, incluindo a emergente privacidade neural, tornaram-se pilares fundamentais do direito digital. Com o avanço exponencial da tecnologia e o aumento da conectividade entre dispositivos, a quantidade de dados gerados e compartilhados atingiu níveis sem precedentes. Nesse contexto, a legislação voltada à privacidade evoluiu para acompanhar as demandas sociais e proteger os direitos dos indivíduos em um ambiente digital cada vez mais complexo.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Brasil, e o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), na Europa, são exemplos de como as legislações visam garantir que as informações pessoais sejam tratadas com segurança e transparência. Esses regulamentos definem princípios fundamentais, como a transparência de consentimento explícito, a limitação da finalidade do uso de dados e a minimização da coleta de informações. No entanto, à medida que a tecnologia continua a evoluir, novas áreas começam a emergir, trazendo consigo desafios inéditos para o direito digital, como é o caso da privacidade neural.

A Privacidade Neural: A Nova Fronteira da Proteção de Dados

Com a ascensão da neurotecnologia, a privacidade neural desponta como uma das próximas grandes fronteiras no campo da proteção de dados. Tecnologias que interagem diretamente com o cérebro humano ou sistemas nervosos estão sendo desenvolvidas rapidamente, seja para fins médicos ou de consumo.

Grandes empresas como a Neuralink, de Elon Musk, estão testando implantes cerebrais que permitem controlar dispositivos eletrônicos com a mente. A Apple, por exemplo, já patenteou fones de ouvido que monitoram a atividade cerebral. Essas tecnologias, que há pouco tempo pareciam ficção científica, estão mais próximas da realidade do que imaginamos.

O Que É Neurotecnologia e Como Ela Funciona?

A neurotecnologia refere-se a um conjunto de inovações que permitem a interação direta entre o sistema nervoso humano e dispositivos eletrônicos. Essencialmente, essas tecnologias monitoram ou influenciam a atividade cerebral e neural, com o objetivo de compreender, reparar ou até mesmo aprimorar o funcionamento do cérebro. Inicialmente, essas soluções foram desenvolvidas com foco em aplicações médicas, como implantes cerebrais para tratar doenças neurológicas, a exemplo do mal de Parkinson, epilepsia e até paralisias.

No entanto, com o avanço das pesquisas, a neurotecnologia começou a ser aplicada em contextos além da medicina, incluindo áreas de entretenimento, educação e bem-estar. Dispositivos não invasivos, como “tiaras” e fones de ouvido, são capazes de medir ondas cerebrais e fornecer dados sobre os níveis de concentração, relaxamento ou estresse de uma pessoa em tempo real. Isso abre caminho para usos comerciais, onde empresas podem oferecer produtos que promovam melhorias no desempenho cognitivo ou no bem-estar mental.

Apesar de parecer futurista, essa tecnologia já está em uso. A empresa Neuralink, por exemplo, está desenvolvendo implantes cerebrais que permitiriam controlar dispositivos apenas com o pensamento. Enquanto isso, empresas como Apple e outras gigantes da tecnologia investem em dispositivos que monitoram atividades cerebrais sem a necessidade de intervenções invasivas.

Privacidade neural: Um padrão de placa de circuito em forma de cérebro humano, um desenho vetorial plano com fundo verde e linhas de circuito douradas e um chip no centro do cérebro, uma composição simples e mínima.
Implante cerebral Neuralink de Elon Musk

Embora a promessa de tais inovações seja grande, o acesso e controle sobre esses dados cerebrais geram uma série de questionamentos éticos e jurídicos. Isso coloca a neurotecnologia como um campo que, apesar de recente, já requer uma abordagem cuidadosa quanto à privacidade e à proteção dos dados gerados por essas interações.

Neurodireitos: Protegendo a Integridade Mental

Com os avanços na neurotecnologia, surgem novas preocupações sobre a privacidade e o uso ético dos dados cerebrais, levando ao debate sobre a necessidade de neurodireitos. Esses direitos visam proteger a integridade mental e a privacidade neural dos indivíduos diante de tecnologias que podem acessar ou influenciar o cérebro.

Países como o Chile já deram passos pioneiros ao incluir na sua constituição a proteção da integridade mental. Nos Estados Unidos, estados como Califórnia e Colorado começaram a atualizar suas legislações de privacidade para incluir dados neurais. No Brasil, o Projeto de Lei 522/22 busca regulamentar o tratamento de dados neurais, propondo que essas informações sejam consideradas dados pessoais sensíveis, protegidos pela LGPD.

Essas iniciativas legislativas são essenciais para garantir que a evolução da neurotecnologia ocorra de maneira ética e segura. O risco de uso indevido dos dados cerebrais é real. Um exemplo disso ocorreu nos Estados Unidos, onde dados de um marcapasso foram usados como prova em um julgamento, levantando questões sobre até que ponto dados médicos, projetados para salvar vidas, podem ser utilizados em contextos legais. No Brasil, o PL 522/22 prevê, além da proteção dos dados neurais, a proibição de tecnologias que possam causar danos psicológicos.

O Cenário Global e as Iniciativas Legislativas

A importância dos neurodireitos está sendo reconhecida globalmente. Além das iniciativas nos Estados Unidos e no Chile, outros países estão começando a seguir esse caminho. No Canadá, os neurodireitos também estão ganhando atenção. O Escritório Federal do Comissário de Privacidade considera os dados neurais como informações biométricas, protegidas pela Lei de Proteção de Informações Pessoais e Documentos Eletrônicos. A Health Canada está colaborando com especialistas para elaborar diretrizes sobre o uso ético da neurotecnologia, focando no desenvolvimento de uma estrutura de valores compartilhados para orientar a inovação.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também recomendou o desenvolvimento de padrões para gerenciar e proteger dados coletados por meio de aplicações neurotecnológicas. Essas recomendações visam criar um ambiente regulatório que permita a inovação tecnológica ao mesmo tempo em que protege os direitos fundamentais dos indivíduos.

Desafios e Perspectivas para o Futuro

Apesar de os dispositivos neurotecnológicos atuais ainda não serem capazes de monitorar pensamentos detalhados ou humores complexos, o debate sobre a sua regulamentação é urgente. Sempre que dados são gerados, há riscos inerentes de uso indevido. A neurotecnologia pode não estar, hoje, em um estágio avançado o suficiente para mapear a mente humana com precisão, mas a velocidade com que a ciência avança indica que esse cenário pode mudar em breve.

A privacidade neural, portanto, representa mais uma camada na evolução da proteção de dados. A criação de normas globais e a atualização das legislações atuais para incluir essa nova realidade são passos essenciais para proteger a privacidade e os direitos fundamentais dos indivíduos. O direito digital precisará se adaptar continuamente para lidar com os desafios que surgem em um mundo onde a interação entre humanos e máquinas está se tornando cada vez mais profunda.

Antonielle Freitas
Antonielle Freitas
Advogada pós-graduada em Direito Processual Civil, Digital, Compliance e Proteção de Dados, com 22 anos de experiência em compliance, contratual, cível, trabalhista e tributária. Especialista em proteção de dados e DPO certificada pelo EXIN, com ampla experiência em empresas nacionais e multinacionais. Líder em implementação de áreas jurídicas e compliance, gestão de equipes e resolução de conflitos.
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