Em meu primeiro artigo como colunista do Itshow, expliquei um pouco sobre a evolução dos hardwares para processos de Inteligência Artificial e Machine Learning. No texto, passei brevemente por um assunto muito interessante e que, provavelmente, terá um impacto profundo e transformador, trazendo avanços significativos para a sociedade. Estou falando da computação quântica, ou CA.
Se engana quem pensa que essa ciência beneficiará somente processos específicos relacionados a tecnologia. A expectativa é de que a computação quântica promova uma revolução tecnológica, oferecendo soluções para problemas complexos que são intratáveis para computadores clássicos. Desde a otimização logística e avanços em IA, até a quebra e a criação de novos sistemas de criptografia, os benefícios potenciais são vastos e abrangem uma variedade de indústrias e campos de pesquisa.
Vamos entender um pouco mais sobre essa ciência tão promissora e fascinante, além das probabilidades que ela disponibilizará.
O que é a computação quântica?
A computação quântica é um campo em fase de desenvolvimento que explora os princípios da mecânica quântica para realizar cálculos. Ao contrário dos computadores clássicos que computam informações em bits (0 ou 1), os computadores quânticos usam qubits, que durante a etapa de processamento podem existir em uma superposição de 0 e 1 simultaneamente.
Podemos utilizar a seguinte analogia: um bit clássico seria como uma moeda sorteada, apresenta durante os cálculos apenas 2 estados possíveis (cara e coroa). Já o qubit, durante sua etapa de cálculo, é a moeda girando no ar, onde ambos os estados possíveis coexistem, fenômeno chamado de superposição, e o resultado do cálculo é probabilístico. Essa superposição de bits quânticos fornece aos computadores quânticos seu paralelismo inerente, permitindo que processem milhões de operações simultaneamente.
Além dessa propriedade, o emaranhamento quântico permite acoplar dois sistemas de equações, sendo que obtendo o resultado de um, automaticamente obtêm-se o resultado do outro.
Essas características permitem que os computadores quânticos realizem certos tipos de cálculos complexos, como de otimização combinatória, aprendizado de máquina e criptografia, de maneira exponencialmente mais rápidos do que os computadores clássicos para determinados tipos de problemas.
Vantagens e aplicações
A computação quântica oferece uma série de vantagens em comparação com a computação clássica, especialmente em áreas onde problemas complexos e cálculos massivos são comuns. Um exemplo é a sua aplicação em problemas de otimização.
É possível implementar, por exemplo, um algoritmo simulated annealing de forma bem mais performática e melhorar significativamente o tempo de convergência do algoritmo para a otimização de rotas, obtendo resultados mais próximos do ótimo global, em outras palavras, maiores reduções de custos e tempos de entrega no setor de logística e transporte para o mesmo tempo de processamento.
Além disso, na gestão da cadeia de suprimentos, a tecnologia pode prevenir gargalos e otimizar a coordenação de etapas complexas, tornando os processos mais eficientes e econômicos.
Na área de simulação de sistemas químicos e materiais, a computação quântica pode revolucionar a química computacional ao simular reações químicas complexas, facilitando a criação de novos medicamentos e processos químicos eficientes. No design de materiais, possibilita a descoberta e projeção de materiais com propriedades inovadoras, impulsionando avanços em diversas indústrias.
A inteligência artificial e o aprendizado de máquina também se beneficiam enormemente da CA. A tecnologia pode acelerar o treinamento dos modelos, tornando-os mais rápidos e eficientes. No setor financeiro, a computação quântica pode aprimorar a modelagem e análise de riscos, otimizando carteiras de investimentos e melhorando a eficiência das operações financeiras.
Por fim, em termos de criptografia avançada, a CA pode ter um impacto transformador. A capacidade de resolver problemas matemáticos complexos rapidamente, como a fatoração de números grandes, pode quebrar muitos dos sistemas criptográficos atuais. Isso impulsiona o desenvolvimento de novos métodos de criptografia quântica, que seriam invulneráveis aos ataques de computadores clássicos, proporcionando um nível de segurança sem precedentes.
Porém, no contexto atual, tal capacidade de decifrar criptografias rapidamente já é uma preocupação de diversos governos e instituições. De acordo com uma pesquisa da Ponemon Institute, 61% dos profissionais de TI e segurança cibernética não estão ou não estarão preparados para abordar as implicações envolvendo a segurança da computação pós-quântica (PQC). O levantamento também revelou que 74% dos entrevistados também estavam preocupados que os cibercriminosos coletassem dados criptografados hoje na esperança de que possam descriptografá-los no futuro.
Onde estamos e onde vamos chegar?
De acordo com um levantamento da International Data Corporation (IDC), a movimentação do mercado mundial de computação quântica deve passar de US$ 1,1 bilhão em 2022 para US$ 7,6 bilhões em 2027. A IDC espera que o setor continue a experimentar um crescimento lento até seja anunciado um grande desenvolvimento de hardware quântico que leve a uma vantagem suficiente para justificar investimentos maiores.
O estudo da IDC é um reflexo do momento atual da computação quântica. A tecnologia, ainda incipiente, encontra-se em fase desenvolvimento, onde os conceitos teóricos começam a ser implementados em práticas experimentais, mas ainda enfrenta vários obstáculos e desafios para alcançar seu pleno potencial, o que leva a um avanço gradual.
Fatores ambientais, como a radiação, podem causar o colapso do estado quântico dos bits quânticos. Chamamos esse fenômeno de decoerência. Por ser uma tecnologia que trabalha com partículas extremamente pequenas, o grande desafio de engenharia na construção de um computador quântico é projetar os sistemas de proteção contra campos de força externas para retardar a decoerência do estado dos qubits. Mantê-los em condições ideais exige sistemas sofisticados e de alta precisão, como supercondutores e câmaras de vácuo, micro-ondas ou lasers, aumentando ainda mais a complexidade e os custos.
E são esses sistemas que acabam jogando contra a tecnologia, pois não temos tecnologia suficientemente barata para massificar a CA. Sem falar em alternativas que estão surgindo agora com grande potencial também para o mesmo nicho de problemas, como a computação biológica.
Os avanços científicos e tecnológicos impulsionados pela computação quântica têm o potencial de transformar diversas áreas do conhecimento e inovação. Desde a física teórica até a biologia computacional, passando por áreas como ciência de materiais e economia, a capacidade de realizar cálculos complexos com eficiência quântica pode abrir novas fronteiras de conhecimento e inovação.
A pergunta que fica é: estaríamos revivendo um capítulo importante da história da tecnologia, com o momento atual da computação quântica sendo um reflexo de nossa jornada com os primeiros computadores clássicos, que transformaram a ciência e a sociedade através de décadas de inovação e desenvolvimento?