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sexta-feira, junho 6, 2025
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Multi-Gig em Wi-Fi: necessidade real ou armadilha do marketing?

Imagine a seguinte situação: você é um gestor de tecnologia de uma empresa e está numa reunião com um fornecedor falando de Wi-Fi. O seu “trusted advisor” diz: “Para aproveitar o Wi-Fi 7, você PRECISA de switches multi-gigabit. Sem eles, está desperdiçando dinheiro.” Você para, lembra que o monitoramento dos seus access points mostra que eles raramente passam de 300 Mbps reais.

Embora o Wi-Fi 7 ainda não seja uma realidade consolidada no Brasil, com discussões regulatórias ainda em andamento sobre o uso das bandas de frequência, é importante nos anteciparmos às decisões que teremos que tomar. Vamos analisar quando realmente precisaremos de multi-gig e quando será apenas marketing bem-feito.

Vale a pena se preparar agora?

O que é Multi-Gig afinal?

Multi-gigabit (ou multi-gig) são conexões Ethernet que operam em velocidades entre 1 Gbps e 10 Gbps – especificamente 2,5 Gbps e 5 Gbps. É a ponte entre o gigabit tradicional (1 Gbps) e o caro 10 Gbps, usando seus cabos existentes Cat5e ou Cat6 – os famosos cabos de rede, que você tem na sua casa conectando geralmente o seu modem de internet e o roteador Wi-Fi – quando eles são separados, que ao longo dos anos também evoluíram e suportam mais velocidade.

Entendendo PoE: o elefante na sala

PoE (Power over Ethernet) é tecnologia que transmite energia elétrica junto com dados através do mesmo cabo de rede. Isso elimina a necessidade de cabos de força separados para dispositivos como access points, câmeras IP e telefones. Existem várias gerações:

  • PoE (802.3af): Até 15,4W por porta – suficiente para telefones IP básicos
  • PoE+ (802.3at): Até 30W por porta – para APs Wi-Fi 5 e câmeras
  • PoE++ (802.3bt): Até 60W (Tipo 3) ou 100W (Tipo 4) por porta

Aqui está o ponto central da discussão: APs Wi-Fi 7 modernos exigem PoE++, consumindo muito mais energia que os switches antigos conseguem fornecer. Você provavelmente precisará trocar os switches anyway – independente do multi-gig ser necessário ou não.

A matemática da realidade

Para entendermos melhor como e por que temos essa demanda, vamos aonde todo técnico deve iniciar: Na “prancheta” desenhando cenários. Vamos começar com a solução mais comum hoje em médias e grandes organizações: Wi-Fi 6 dual-band.

Em uma configuração típica empresarial, temos:

  • Access Point dual-band (2,4GHz + 5 GHz)
  • Clientes com 2 spatial streams (canais independentes de dados que dispositivos usam para transmitir)
  • 20 MHz em 2,4 GHz → até 287 Mbps teóricos
  • 40 MHz em 5 GHz → até 574 Mbps teóricos

Total teórico: 861 Mbps. Throughput real: aproximadamente 516 Mbps (60% do teórico é a regra).

Conclusão: 1 Gbps de uplink é mais que suficiente para Wi-Fi 6 na maioria dos casos.

As promessas do Wi-Fi 7

Agora, vamos avançar a fita na prancheta indo até um futuro próximo nem tão distante assim: Wi-Fi 7 tri-band. Quando chegar ao Brasil de forma consolidada e 100% regulamentada, teremos:

  • 20 MHz em 2,4 GHz → 344 Mbps
  • 40 MHz em 5 GHz → 688 Mbps
  • 80 MHz em 6 GHz → 1.441 Mbps

Total teórico: 2.474 Mbps. Throughput real: aproximadamente 1,48 Gbps com 2 spatial streams.

Aqui, multi-gig faz realmente sentido – pois a demanda do AP é maior do que 1 Gbps que a porta normal pode suportar, mas há um porém importante…

O cenário 6GHz: e se usássemos tudo?

No Brasil, temos 1,2 GHz de espectro na faixa 6 GHz tecnicamente disponível (5.925-7.125 MHz) desde 2021, mas as discussões regulatórias sobre seu uso pleno ainda estão em andamento. A ANATEL está revisando as limitações, e há propostas para restringir a faixa Wi-Fi a apenas 5.925-6.425 MHz, ou seja, 500 MHz.

Para entender melhor esse cenário regulatório complexo, recomendo a leitura do meu artigo 6GHz em 2025: O que mudou no último ano e para onde estamos indo?, onde analiso detalhadamente essa questão.

Cenário hipotético (caso tenhamos acesso ao espectro completo no Brasil): AP tri-band usando todo o potencial 6GHz:

  • 2,4 GHz: 344 Mbps
  • 5 GHz: 1.376 Mbps (80 MHz)
  • 6 GHz: 5.765 Mbps (320 MHz, 2 streams)

Total teórico: 7.485 Mbps. Throughput real: ~4,5 Gbps.

Neste cenário futuro, até 10 Gbps seria justificável. Mas essa será nossa realidade?

A realidade inconveniente

Essas condições máximas acontecem apenas 1% a 5% do tempo, mesmo em ambientes de alta densidade. Para atingir esses números, você precisa:

  • Todas as bandas usadas simultaneamente
  • Clientes (Notebooks, Tablets, Celulares,…) com modulações altas (4K-QAM)
  • Canais 320 MHz livres de interferência
  • Alta densidade de usuários com tráfego sustentado

Mas aqui está o ponto crucial: esses 1-5% são exatamente os momentos que geram reuniões tensas se você não tiver headroom (capacidade extra de reserva) no sistema. E, como o Murphy não nos decepciona, esses raros momentos de pico coincidem geralmente com uma atividade dos executivos da empresa. Quem aqui nunca presenciou uma degradação do serviço de Wi-Fi em uma hora importante?

O dilema oculto: bateria vs velocidade

Dispositivos modernos sacrificam spatial streams para economizar bateria. Seu notebook pode suportar 4 streams, mas na economia de energia (que vem ativada por padrão) usa apenas 2.

Como forçar mais streams? Nas configurações avançadas do Wi-Fi, você pode desabilitar o modo de economia de energia ou ajustar o “modo de transmissão” para “máximo desempenho”. Alguns drivers permitem até configurar especificamente o número de spatial streams.

Mas há consequências:

  • Bateria dura 30-50% menos em notebooks e smartphones
  • Dispositivo esquenta mais devido ao maior consumo
  • Velocidade pode até diminuir em ambientes com interferência (mais antenas = mais ruído captado) – aqui eu imagino que surpreendi vocês, mas isso é telecomunicações raíz: Sinal vs Ruído!

O resultado prático desse exercício na velocidade máxima: Mesmo forçando mais streams, raramente você veria os benefícios prometidos do Wi-Fi 6 e 7 no dia a dia. Os fabricantes sabem disso; por isso, programam os dispositivos para priorizar duração da bateria sobre velocidade máxima.

A evolução das bandas Wi-Fi

Para entender o contexto, e manter o meu compromisso de descomplicar a tecnologia, vejamos como chegamos até aqui na evolução do Wi-Fi ao longo do tempo, com a cronologia, nome do padrão, troughput e a banda de frequência utilizada:

  • 1997 – 802.11 Original: 2 Mbps, 2,4 GHz
  • 1999 – 802.11b (Wi-Fi 1): 11 Mbps, 2,4 GHz
  • 1999 – 802.11a (Wi-Fi 2): 54 Mbps, 5 GHz
  • 2003 – 802.11g (Wi-Fi 3): 54 Mbps, 2,4 GHz
  • 2009 – 802.11n (Wi-Fi 4): 600 Mbps, 2,4/5 GHz
  • 2013 – 802.11ac (Wi-Fi 5): 3.5 Gbps, 5 GHz
  • 2021 – 802.11ax (Wi-Fi 6): 9.6 Gbps, 2,4/5 GHz
  • 2024 – 802.11be (Wi-Fi 7): 46 Gbps, 2,4/5/6 GHz

Cada geração trouxe não apenas mais velocidade, mas maior eficiência espectral e melhor gerenciamento de múltiplos usuários.

Então, multi-Gig vale a pena?

A resposta aqui não deve ser sobre necessidade imediata – é sobre estar preparado para momentos críticos. E há um aspecto prático: novos access points exigem PoE++, e não se esqueça das câmeras IP, que embarcando processamento dentro delas também consumirão mais energia.

Se vai trocar os switches anyway, por que não aproveitar e já se preparar para o futuro?

As perguntas certas

Antes de decidir, pergunte a si mesmo:

  1. Qual é meu throughput real hoje? (monitore por uma semana)
  2. Quantos usuários simultâneos temos por AP?
  3. Tenho aplicações críticas de alta largura de banda?
  4. Meus switches atuais suportam PoE++?
  5. Qual é meu plano de crescimento para 5 anos?

A estratégia inteligente

Adotar uma abordagem pragmática:

  • Monitore seus APs por um mês
  • Implemente multi-gig primeiro nos pontos críticos
  • Expanda gradualmente conforme demanda real
  • Mantenha gigabit em áreas de baixa densidade
  • Nem sempre as organizações são feitas somente de escritórios. Wi-Fi tem um papel crucial nas áreas de produção. Alô Indústria, Agro, Utilities, Varejo, Saúde 4.0! Eu ouvi um Amém?

Tudo isso irá evitar investimentos desnecessários. Lembra do termo headroom que falamos no texto? Dependendo da área coberta, ele pode caber ainda em uma conexão gigabit tradicional junto com o tráfego regular.

Embora o Wi-Fi 7 ainda não seja uma realidade consolidada no Brasil, multi-gig não será questão de sim ou não – será questão de quando e onde.

Se você está sendo pressionado para migração completa “porque é WiFi 7”, questione! Se está evitando qualquer planejamento “porque ainda não chegou”, também questione!

A verdade está no meio: multi-gig será ferramenta poderosa quando aplicada nos lugares certos, pelos motivos certos, no momento certo. O importante é se preparar com informação, não com pressa.

A infraestrutura de rede é como seguro de um veículo ou imóvel: você torce para nunca precisar da capacidade máxima, mas quando precisar, é melhor que esteja lá.

Agradecimento especial ao amigo Ricardo Vallino pela provocação inicial e pelas referências técnicas que embasaram este artigo. Tecnologia e bike é com a gente mesmo!

Quer escovar um pouco de bits e calcular a performance para sua realidade? Visite mcsindex.net e simule com seus dados reais.

E você? Já está planejando a infraestrutura para Wi-Fi 7, continua focado em otimizar o Wi-Fi 6 atual, ou continua sofrendo com Wi-Fi 5? Compartilhe sua experiência nos comentários – vamos trocar ideias sobre o futuro das redes sem fio!

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Mauro Periquito
Mauro Periquito
Engenheiro de Telecomunicações e Consultor de Tecnologia, com o objetivo de desenvolver e gerenciar projetos de transformação digital para indústria, utilities, mineração, agronegócio e operadoras de telecomunicações. Em sua trajetória profissional, tem como propósito traduzir as necessidades dos clientes em soluções customizadas.
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