As grandes empresas estão empreendendo uma verdadeira corrida para trazer a inteligência artificial para seus core business, mas ainda não têm muito clara qual é a linha de chegada dessa competição. A meta começa a se definir conforme o entusiasmo e a ansiedade iniciais em relação à ferramenta vão se dissipando – até porque os custos de sua adoção são elevados demais para serem feitos de forma reativa.
O frenesi mundial começou quando a OpenAI lançou o ChatGPT, em novembro de 2022. Foi quando o grande público conheceu a IA generativa, e “inteligência artificial” passou para o vocabulário corrente da maioria das pessoas, e não apenas de profissionais de TI ou fãs de ficção científica.
A adesão foi recorde: 100 milhões de usuários em apenas dois meses. Para efeitos de comparação, o Spotify, que se tornou praticamente um sinônimo de reprodutor de áudio em streaming, levou 11 anos para atingir o mesmo volume. Diante de tamanho sucesso, todas as empresas quiseram uma IA para chamar de sua. Mas logo ficou claro que não seria tão simples assim.
É importante deixar claro desde já: é muito pouco provável que alguma aplicação da IA vá repetir o “estouro” do ChatGPT. Até então, a maior parte da população tinha pouca ou nenhuma informação sobre inteligência artificial, até que foram apresentados a uma ferramenta gratuita, com grande aplicação prática e interface extremamente intuitiva. Uma vez feita essa “introdução”, dificilmente algum outro uso da ferramenta vai se mostrar tão popular em igual proporção.
Isso não quer dizer que a inteligência artificial não tenha muito valor a agregar nem que a intenção das empresas em investir nela deva arrefecer. Pelo contrário: tudo indica que veremos novas adesões em grande volume, especialmente em alguns segmentos onde o potencial para a ferramenta é maior. Só que, para isso, as empresas precisam refinar sua estratégia.
Hora de embarcar
Cerca de 40% das empresas globais usam a IA de forma contínua em seus negócios. Se formos contabilizar aquelas que usam a ferramenta em seus processos internos, mas ainda não com seus clientes finais, esse número sobe para 82%. Espera-se que o mercado de inteligência artificial mobilize até 1,85 trilhão de dólares até 2030.
Essas estimativas, levantadas pela consultoria global Exploding Topics, mostram que o cenário está aquecido. As empresas grandes querem trazer a inteligência artificial para seus produtos e serviços, e há cada vez mais startups no setor dedicadas a explorar novos usos para a ferramenta. Ou seja: há uma equação muito favorável para que a ferramenta se consolide para além do hype.
Porém, é hora de ajustar o foco. A inteligência artificial deve aparecer cada vez mais como tecnologia embarcada em dispositivos que possam ser comercializados em grande escala. Os smartwatches são a primeira tendência claramente visível desse movimento. A Samsung já disponibiliza modelos com IA, e a Apple já anunciou que seu vindouro iPhone 16 vai trazer essa ferramenta.
Logo vamos vê-la também no mercado automotivo, tanto nos veículos autônomos como naqueles que têm dirigibilidade. As previsões e pesquisas apontam para diversos usos, muito além de sugestões de percurso. Por exemplo, é provável que não demore para vermos a inteligência artificial tendo condições de tomar decisões de corrigir a rota, ou até mesmo que ela seja capaz de identificar se o condutor está ou não em condições de dirigir.
Eletrodomésticos ou automação residencial com IA também não são novidade, mas esses setores já estão se encaminhando para um próximo estágio de evolução. Máquinas de lavar que identificam o melhor procedimento para lavar determinada peça, geladeiras que “preveem” quando determinado alimento irá acabar, um forno capaz de reconhecer o alimento que está sendo assado – já há protótipos desses e de outros produtos, e existe um interesse, até mesmo um entusiasmo, dos consumidores por parte deles.
Obviamente, tudo isso tem o objetivo final de obter dados que possam ser analisados. A IA entra como diferencial nos itens que podem ser vendidos em grande escala justamente para se obter uma massa maior e mais precisa de dados sobre o comportamento dos usuários. As possibilidades de cruzamento de informações diante de um cenário tão massivo e interconectado são praticamente imensuráveis. Até por isso, é razoável supor que a inteligência artificial vai seguir na pauta da TI por muitos anos antes de perder força.
Regular a Inteligência Artificial é preciso
Evidentemente, não será uma “farra dos dados”. Se por um lado o ChatGPT capturou a atenção do grande público para a IA, por outro também despertou um alerta em governos, organizações civis e entidades reguladoras ao redor do mundo, em diferentes graus de profundidade de país em país.
As práticas da indústria já estão sob regulamentação, e não é exagero supor que as restrições podem se tornar mais duras num futuro próximo. No Brasil, porém, o cenário ainda é nebuloso. A ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) foi criada em 2019 e só em 2022 ganhou status de agência reguladora. Até o momento, ela segue em estágio embrionário, mostrando pouca efetividade perante o controle do uso de dados pessoais no país. A se manter o ritmo atual, ela deve demorar até exercer uma regulação efetiva.
Seja como for, haverá barreiras regulatórias, e elas são, sim necessárias. Isso não quer dizer que a indústria vá se segurar: a intenção para o futuro próximo é que essa aplicação possa ser usada da forma mais massiva possível.
Cenário de benefícios
Apesar desse controle necessário e dos riscos inerentes à adoção da IA em larga escala, a ferramenta tem potencial benéfico para além de seu uso comercial. Os próprios smartwatches podem representar uma inovação de grande impacto na continuidade de tratamento de saúde, no autocuidado com a saúde por parte de pessoas idosas, podem até mesmo oferecer soluções que conferem um pouco mais de autonomia a pacientes com doenças degenerativas.
O uso embarcado da inteligência artificial no ambiente doméstico também pode representar um aumento de segurança e até de qualidade de vida, especialmente para pessoas com limitações físicas ou cognitivas. De forma ainda mais ampla, as soluções do mercado automotivo podem conferir mais segurança ao trânsito, especialmente nos grandes centros urbanos.
A corrida pela IA não é apenas decorrente da empolgação com uma nova tecnologia. Ela é, de fato, um agente transformador de comportamentos e de mercados, e também por isso é difícil prever seus usos a longo prazo. No médio prazo, porém, já está clara a tendência, e é hora da TI assumir essa frente nas suas respectivas empresas.